Shame


São poucos os filmes que conseguem retratar tão bem um período ou uma época. "Shame" é um filme que aborda sem pudores algumas feridas da sociedade moderna, como a solidão, o individualismo, a busca pelo prazer e os vícios que chegam a provocar vergonha. O diretor e artista plástico Steve McQueen coloca seu ator fetiche, Michael Fassbender, com o qual já havia trabalhado em "Hunger", em um jogo de sexo e sofrimento ao extremo.

Brandon é um executivo de 30 anos que mora sozinho em Nova York e cultiva uma vida secreta. Ele é viciado em sexo. Passa suas horas vagas - e até mesmo no trabalho - em busca de satisfazer sua compulsão. Por ser bonito e bem sucedido, consegue sexo fácil. Ao invés de mostrar essas aventuras eróticas como algo excitante, o filme apresenta como verdadeiramente são: uma doença.

A rotina de Brandon será transformada quando sua irmã Sissy (Carey Mulligan) decide morar com ele. Essa invasão em um terrotório anteriormente sob seu total controle provocará dois sentimentos contraditórios em Brandon: a intenção de levar uma vida normal, com um relacionamento saudável, e também a vontade de expulsar Sissy e seguir com seu ciclo masoquista.

Lidar com essa obsessão vai acabar levando Brandon ao fundo do poço, em uma procura por sexo cada vez mais degradante. Por vezes, ele tenta uma atitude "normal", como ter um encontro que não seja com uma prostituta ou que termine na cama. Ele sai para jantar com uma colega de trabalho, mas sua condição o impede de realizar tudo conforme os padrões aceitáveis pela sociedade. Não adianta, ele é diferente. Um homem atormentado por demônios que o impedem do convívio social. Nas cenas de sexo quase explícito, é possível observar Brandon em um misto de prazer e sofrimento.

Fassbender desnuda-se, literalmente, para encarar o complexo personagem. Seu desempenho não foi lembrado entre as categorias do Oscar, mas George Clooney fez questão de destacar o "grande" talento do ator durante a cerimônia do Globo de Ouro. Fassbender realizou cenas sem apelação de nudez frontal e de sexo não censurado. Uma atuação viceral que merecia maior reconhecimento.

"Shame" não chega a ser pornográfico, já que suas cenas provocantes são de completa importância para a história. Mesmo com sequências tidas como "quentes", o diretor McQueen realiza um filme de natureza fria e ao mesmo tempo estiloso. Uma fotografia elegante pontua as cenas com tons de azul e branco, comprovando a falta de emoções na vida de Brandon. A trilha sonora empregada nos momentos certos transmite a tensão e o desespero desse personagem que vive sempre no limite. Até mesmo o uso de poucos diálogos contribui para que quando estes apareçam sejam altamente valorizados, principalmente em interessantes conversas entre Brandon e Sissy.

Assim como em "Psicopata Americano", quando este retratou o vazio da geração yuppie dos anos 80, "Shame" consegue definir outra espécie de vazio nos anos 2000. É o peso de um cotidiano sem amor e sem encantos que assola os dias atuais. O sexo, também presente, é visto como algo mecânico. E, mesmo com uma diferente realidade, Nova York permanece como o mesmo pano de fundo, um símbolo da solidão, intensicado de forma brilhante pela canção "New York, New York", em interpretação carregada de emoção pela irmã do protagonista. "Shame" mostra como essa realidade pode ser um martírio.

Nota: 8,4

Para Sempre


Henry (Adam Sandler), em "Como se Fosse a Primeira Vez", precisava reconquistar diariamente a namorada que sofria da falta de memória de curto prazo, doença que faz esquecer fatos que acabaram de acontecer. Comparado à ele, Leo (Channng Tatum), no drama "Para Sempre", tem uma tarefa mais fácil: sua esposa perdeu a memória após um acidente de carro e ele precisa conquistá-la novamente. Como o gênero aqui não é comédia, esse único desafio será complicado o suficiente.

Paige (Rachel McAdams) e Leo viviam uma linda história de amor, porém, por travessura do destino, ela perde a memória dos últimos cinco anos. Paige não lembra que brigou com os pais, abandonou a faculdade de Direito para cursar Artes Visuais e muito menos que casou-se com Leo. Aquele homem agora é um completo desconhecido. O rapaz, então, precisará fazer com que sua esposa se apaixone mais uma vez por ele.

A história apresenta outro impasse interessante. As memórias de Paige são de um período em que ainda vivia na casa dos pais e namorava Jeremy (Scott Speedman). Ela fica dividida entre o passado ainda nítido em sua cabeça e a vida atual que construiu ao lado de Leo, mas que não se recorda. Enquanto ele esforça-se para recuperar o amor perdido, os pais de Paige, interpretados pelos vetaranos Sam Niel e Jessica Lange, pressionam a filha a voltar para casa. Todo drama vivido pelos personagens ganha ainda mais força por ser baseado em uma história real.

"Para Sempre" alterna romance e drama em uma mistura gostosa de assistir. A química entre McAdams e Tatum funciona tão bem que, mesmo sem ela reconhecer o amado, pode-se sentir a conexão entre os dois. O filme é meloso na medida e não exagera nos clichês. Um passatempo perfeito para os românticos, que devem se emocionar com a história desse homem apaixonado que não mede esforços para ter o amor de sua esposa de volta.

Nota: 7,5



Uma Vida Melhor



Vida de imigrante nos Estados Unidos já foi abordada por inúmeros filmes. O que “Uma Vida Melhor” propõe é um olhar sincero sobre essas pessoas que apostam todas suas fichas em uma chance que pode ou não dar certo. Damien Bichir é a alma do projeto como o pai mexicano que busca oportunidades para seu filho adolescente no país vizinho.

A produção de Chris Weitz (de "O Grande Garoto", "Bússola de Ouro", "Lua Nova") é sobre um homem latino de 40 e poucos anos que trabalha como jardineiro nas casas dos ricos de Los Angeles. Ganhando uma mixaria por inúmeras horas de trabalho, ele leva os dias desgastado pela dura rotina. Tudo isso para oferecer condições de que seu filho (José Julián) consiga ir ao colégio e obtenha melhores perspectivas de futuro. Sua possibilidade de mudar de vida vem com a compra de uma caminhonete, transformando-o em um profissional autônomo.

"Uma Vida Melhor" pode ser dividido em dois momentos: o drama inicial sobre o imigrante no país estrangeiro, explorando contrastes sociais e como a terra dos sonhos pode ser cruel, e o thriller que aproxima pai e filho na tentativa de recuperar algo roubado, com cenas de ação alternadas com ternura. Essa mudança na narrativa vem na hora exata. Quando espera-se que o filme se arraste pelos clichês do gênero, injeta-se um gás que o mantém interesse até o final.

A concepção do projeto é simples, mas ganha o espectador com o retrato sensível sobre a figura desse intruso em um lugar que não lhe pertence, potencializado com a relação construída entre os personagens de Bichir e Julián. São momentos delicados como o de uma música conhecida pelos dois ou quando conversam em tom de despedida, já perto do final, que comprovam a sintonia em cena, além de uma emoção genuína.

O principal responsável por essa carga emotiva é Damien Bichir, ator mexicano pouco conhecido que anteriormente só havia obtido destaque na série de televisão “Weeds” e como Fidel Castro nos filmes “Che” e “Che: A Guerrilha”. Sua indicação ao Oscar surpreendeu a todos, tirando a vaga dos cotados Ryan Gosling (“Drive”), Leonardo DiCaprio (“J. Edgar”) e Michael Fassbender (“Shame”). A representação de Bichir é tão poderosa que através de apenas um olhar ele transmite todo desespero de um homem em seu limite. É o papel de sua vida e certamente uma das melhores atuações de 2011.

Nota: 8


A Mulher de Preto e O Despertar



O terror à moda antiga está de volta aos cinemas. Dois longas-metragens lançados este ano apostam numa fórmula que a indústria cinematográfica volta e meia retoma as telas: a da mansão mal-assombrada. Os filmes adentram o universo de casarões isolados, longe da civilização, habitados por fantasmas nada amigáveis. "A Mulher de Preto" e "O Despertar" são exemplos de que uma ambientação assustadora pode provocar mais calafrios do que uma cena de mutilação na linha de "Jogos Mortais".

"A Mulher de Preto" recebeu maior divulgação por ser estrelado pelo astro da saga Harry Potter, Daniel Radcliffe. Ele vive nas telas o advogado viúvo Arthur Kipps, que, em viagem de trabalho, precisa cuidar da documentação de um cliente que morreu em um vilarejo no interior da Inglaterra. Para isso, hospeda-se na casa do falecido, sem esperar que o local é assombrado por uma sinistra criatura.

A tal mansão é o ponto forte do filme. Afastada da cidade e cercada de recifes que são encobertos quando a maré sobe, a casa permanece por diversos momentos como uma ilha, deixando Arthur preso em um terreno pertencente ao sobrenatural. Essa situação confere o clima de terror ideal para trabalhar com tensão constante e sustos cada vez mais intensos. Em uma sequência de deixar os cabelos em pé, o advogado passa cerca de 15 minutos sendo atormentado continuamente pela habitante da casa. Sufoco total.

Por outro lado, "O Despertar" pontua a narrativa com sustos eficientes. Cada aparição do fantasma faz o espectador saltar da poltrona. E não são poucas vezes. A assombração responsável por todo esse nervosismo vive em um internato para meninos na Inglaterra do pós I Guerra Mundial. A escritora e especialista em desvendar fenômenos paranormais, Florence Cathcart (Rebecca Hall), é chamada por um dos funcionários da escola para investigar o espírito de uma criança que ronda o casarão.

Mais uma vez a ambientação soturna é a chave do bom funcionamento da produção. A casa gigantesca e distante de qualquer princípio de contato humano ganha tons assustadores quando as crianças deixam o local para passar as férias com suas famílias. A história, então, passa a utilizar mais e mais os ambientes mergulhados na escuridão, a fim de colocar à prova o ceticismo da protagonista perante fatos sem explicação científica. Um exemplo é a desesperadora cena da casa das bonecas.

Bebendo na fonte de filmes com "Os Outros" e "O Orfanato", os novos projetos utilizam como figura central imponentes casas vitorianas. Além disso, por se ambientar por volta de 1920, as cenas ocorrem muitas vezes à luz de velas, o que aumenta a tensão na tela. Toda essa atmosfera pesada contribui para uma narrativa lenta, mas bem construída por ambos roteiros.

O que deixa a desejar é a forma como as duas histórias se encerram. São explicações fajutas para mistérios tão bem elaborados e desenvolvidos. O clima de suspense e as boas atuações (Radcliffe e Hall dedicados) quase são deixadas de lado perante a derrapada na conclusão. Mas, o que fica ao final é o gênero do terror recebendo maiores cuidados, sem apelar para sanguinolência ou sustos fáceis. "A Mulher de Preto" e "O Despertar" são entretenimentos arrepiantes e de qualidade.

"A Mulher de Preto" - nota: 7,0
"O Despertar" - nota: 7,5

Um Método Perigoso


Dois dos principais mestres da ciência moderna foram amigos durante anos, parceiros em longas discussões teóricas, inclusive trocando confidências íntimas a fim de contribuir com seus estudos. Esse diálogo se rompe quando uma paciente tratada por ambos coloca tudo a perder. Mostrar essa curiosa relação e principalmente o marco da rivalidade entre Jung e Freud é o trunfo do novo filme do diretor David Cronenberg, “Um Método Perigoso”. O longa-metragem coloca três astros do cinema atual em um jogo de desejo e manipulação que acabou definindo os rumos da psicanálise.

Para interpretar os gigantes da mente humana, Michael Fassbender, ator sensação de uma das melhores safras de 2011 ("Jane Eyre", "X-Men: Primeira Classe", "Shame"), e Viggo Mortensen, fetiche do diretor desde "Marcas da Violência" e "Senhores do Crime", interpretam respectivamente Jung e Freud. A reunião deles ocorre no momento em que o primeiro está iniciando seu projeto de “cura através de conversas” e o segundo está começando a ganhar notoriedade internacional. A empatia entre ambos é imediata. A primeira conversa dura nada menos que 13 horas.

Surgem, então, as divergências. Freud defende que toda neurose é exclusivamente de origem sexual, enquanto Jung acredita que a sexualidade é apenas um dos motivos a ser considerado. Essa oposição fará futuramente que um desenvolva a psicanálise e o outro a psicologia analítica. Até lá, Jung será testado em resistir, primeiramente, aos conselhos do perigoso paciente Otto Gross, interpretado pelo francês Vicent Cassel, que condena a monogamia, afirmando que não se deve negar aos instintos básicos do ser humano. E depois, em um segundo momento, quando subumbe aos encantos de Sabina Spielrein (Kiera Knightley), uma paciente viciada em humilhações, através da qual o psiquiatra precisará avaliar sua ética profissional e moralidade social.

O Freud descrito pelo roteiro é um ser manipulador, que brinca com Jung enquanto este lhe é útil. Fica subentendido que o médico enviou propositadamente o paciente Otto para provocar Jung. Na busca para provar que está com a razão, Freud levará o "amigo" a corromper todos seus valores. No meio deste jogo, Sabina destaca-se por receber tratamento inicialmente de Jung e depois de Freud, contribuindo para o rompimento da relação entre ambos.

Concentrando todas essa nuances, Cronenberg realiza um filme no formato clássico, linear e sem riscos - diferente dos violentos "Marca da Violência" e "Senhores do Crime" ou dos complexos "Existenz" e "Spider - Desafie Sua Mente". O roteiro do dramaturgo inglês Christopher Hampton, o mesmo de "Ligações Perigosas", contribui ao adicionar tensão sexual em cada cena. Porém, tanto falatório sobre sexo não acaba se concretizando visualmente. Prefere deixar na sugestão, que, por sinal, resulta em uma boa escolha.

"Um Método Perigoso" traça um rápido perfil sobre Jung e Freud, deixando registrado os encontros e a separação da dupla. O papel de Kiera muitas vezes rouba a cena, mas sua interpretação exagerada beira o artificial. Já Fassbender e Mortensen demonstram confiança em seus personagens e fazem valer a reunião esses dois grandes nomes da Psicologia.

Nota: 7,9