Estômago


“Estômago” pode até sugerir, mas não é uma comédia romântica sobre culinária e afins. A produção nacional dirigida por Marcos Jorge está mais para um suspense dramático com clima bem pesado.

Raimundo Nonato (João Miguel) é um nordestino que chega na cidade grande sem ter o que comer e onde dormir. Consegue emprego em um boteco fritando pastéis e coxinhas de galinha. O sucesso de suas coxinhas faz o movimento do bar aumentar, e logo ele é chamado para trabalhar como chef de um restaurante italiano. Nessa transição, conhece a prostituta Iria (Fabíula Nascimento) e imediatamente se apaixona.

O desenrolar do roteiro transforma “Estômago” em um filme original, único no cinema brasileiro, permeado por um humor negro chocante e com um resultado que retrata o Brasil sem piedade. Curiosamente, a gastronomia, ao invés de despertar paixões nos personagens, é tratada como sinônimo de poder.

O diretor Marcos Jorge e sua equipe criam um filme requintado e essencialmente brasileiro, valorizado também pelas fortes referências ao cinema de Fellini. Engrossando o caldo, João Miguel cria um personagem tão real que é difícil dissociar o ator de sua representação. Na mesma linha, Fabíula Nascimento rouba todas as cenas em que aparece, transformando sua puta em um ser fascinante.

Assistir ao filme é como degustar um prato caprichado e saboroso, feito com tudo que há de melhor, mas que vai se tornando indigesto depois das primeiras garfadas. Portanto, já aviso, acompanhar a tortuosa saga de Raimundo Nonato não é para quem tem estômago fraco.

Nota: 7,5

Os Normais 2 - A Noite Mais Maluca de Todas


O propósito do seriado televisivo “Os Normais” era apresentar situações comuns do dia-a-dia que levassem as pessoas à loucura. O texto inteligente e afiado de Fernanda Young e Alexandre Machado dificilmente decepcionava e a dupla Luis Fernando Guimarrães e Fernanda Torres interpretaram os personagens de suas vidas: Rui e Vani, um casal neurótico e completamente maluco que não tinha como não cair no gosto do público.

Três temporadas depois e um filme no currículo, eis que chega um novo longa-metragem: “Os Normais 2”. Após o estrondoso sucesso da primeira incursão no cinema, a expectativa com essa seqüência era das mais altas. Inicialmente o filme ficou conhecido pela subtítulo “Ménage a trois”, e bem que poderia seguir com ele, já que a produção gira em torno da aventura do casal em busca de uma terceira para pessoa para fazer sexo.

A sensação é de que “Os Normais 2” é um episódio estendido. Seus míseros 75 minutos logo terminam e a superficialidade da trama fica evidente, ressaltando a fraca história que não merecia ser levada às telas. Também não existe uma linguagem cinematográfica eficiente, é muito semelhante à da série. Os atores principais e nem mesmo os coadjuvantes demonstram empolgação com o projeto. Apesar de toda essa carência, Rui e Vani seguem sendo personagens muito queridos do público e somente pelo retorno deles que a sessão tem seu valor.

Nota; 5,0

Era Uma Vez...


Os contos de fantasia teimam em começar com o tradicional “Era Uma Vez…”. Essa escolha tem o intuito salientar o conteúdo lúdico da história, fruto da imaginação do autor e de sua liberdade poética. A mesma expressão é utilizada como título para o novo filme de Breno Silveira (diretor de “Dois Filhos de Francisco”) justamente para demarcar que o romance do pobretão D com a patricinha Nina é um conto de fadas repetido e previsível.

Ele mora na favela do Cantagalo e trabalha diariamente em um quiosque na praia do Rio de Janeiro. De seu recanto, observa a bela Nina entrar e sair do prédio da frente, até o dia em que a salva de um assalto. A aproximação deles é inevitável e logo os dois se apaixonam, porém a relação não demora para ser abalada pelas gritantes diferenças sociais e o mascarado preconceito.

Quem já não ouviu essa história? Realmente, “Era Uma Vez…” é um filme do qual todos sabem o que vai acontecer na tela, só que ainda assim, a história acaba surpreendendo o público e revelando ser uma das melhores produções nacionais dos últimos anos. O feito está relacionado com a atualização da trama, romantizada em seus núcleos para sensibilizar o espectador, injetando gás para temas tão discutidos e desgastados no dia-a-dia, como a violência no morro, o caos urbano e a falsa moralidade.

Também não se deve tirar o mérito do entrosamento perfeito entre os atores Thiago Martins e Vítria Frate, que dão sustentação vital ao romance desafiador e quase impossível de um garoto pobre com uma menina rica. Os dois juntos emocionam e levam às mais intençãs emoções, sendo ainda mais tocante que o filme anterior do diretor.

Breno Silveira demonstra em seu segundo longa-metragem que tem domínio completo pela sua obra, criando um estilo evidente e próprio de humanização dos personagens. “Era Uma Vez….” pode ser considerado uma espécie de Romeu e Julieta à brasileira, com doses cavalares de realidade e amor. A intensidade do projeto leva o público ao total comprometimento com a trama, fazendo-o sair da sessão inchado de tanto derramar lágrimas. E talvez essa troca de sensações e cumplicidades faça com que algumas percepções de mundo sejam transformadas. Por isso, e por tudo mais que você só irá descobrir ao assistir o filme, é que “Era Uma Vez…” não pode ficar nem mais um segundo parado na estante da locadora.

Nota: 9