Crítica: O Jogo da Imitação



Um segredo de guerra guardado ao longo de 50 anos pelo governo britânico é levado para as telas do cinema em "O jogo da Imitação", indicado a oito Oscars, incluindo melhor filme. A produção inglesa acompanha os feitos de um personagem histórico praticamente desconhecido, porém responsável por uma das mais significativas criações humanas. Injustiçado em vida, somente agora ele recebe um reconhecimento a altura.

O longa-metragem de Morten Tyldum conta a história verídica de Alan Turing (Benedict Cumberbatch), um criptoanalista prodígio que, junto de uma equipe de matemáticos, é encarregado de desvendar códigos nazistas emitidos pela máquina Enigma, responsável por despistar os demais países envolvidos na Segunda Guerra Mundial.

Dotado de uma complexa personalidade, Turing apresenta-se como uma pessoa fria e arrogante, incapaz de desenvolver qualquer simpatia, principalmente por parte de seus colegas. O relacionamento entre eles melhora quando entra em cena a jovem Joan Clarke (Keira Knightley), que torna-se uma amiga e passa a ajudá-lo na interação com os demais.

Com um clima amistoso, o trabalho ultra secreto protagonizado por Turing progride - na criação do que seria o primeiro computador - e resulta no fim da guerra, com a Inglaterra interceptando as mensagens da Alemanha. Mesmo tendo realizado um feito notório, o projeto é considerado confidencial e por décadas permaneceu como um segredo de estado, uma vez que no futuro tais códigos desvendados poderiam ser novamente utilizados como vantagem durante o conflito.

Apesar da sinopse confusa, "O jogo da Imitação" é extremamente didático - o que até fez o filme receber críticas negativas quanto ao seu formato de "isca para as premiações", semelhante ao consagrado "Uma Mente Brilhante", que também traz um gênio incompreendido. Apesar das queixas, a estrutura narrativa convencional não compromete o resultado impactante.

O londrino Cumberbatch (da série "Sherlock") surpreende como o matemático de poucas emoções, que, no decorrer do roteiro, apresenta cada vez mais nuances em sua personalidade. A abordagem de Turing revela-se extremamente humana, potencializada principalmente por sua orientação sexual, que na época era considerada crime. Aliás, esse detalhe é de sumária importância para a história.

Sua petulância e egoísmo mostram-se como defesas, barreiras de proteção, para desconfianças ou atos de discriminação. O filme mostra a origem dos traumas do menino prodígio através de flashbacks. Assim, o homem que precisa desvendar constantemente diferentes códigos, sendo um deles o mais importante da história da humanidade, necessita esconder um segredo que pode colocar sua vida em risco.

De forma tensa, "O jogo da Imitação" oferece o registro digno para um fascinante capítulo da Segunda Guerra Mundial, com uma abordagem superior a "Enigma" (2001), que também utilizou como pano de fundo os mesmos acontecimentos. A recente produção assume o viés biográfico e louva, merecidamente, tanto o caráter pacifista de Turning como seu título de pai da computação moderna. Um triunfo. 

Nota: 8,6


Crítica: Birdman



É no mínimo engraçado acompanhar o hype da mídia em torno do novo filme de Alejandro González Iñárritu, "Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância)". A produção, na verdade, é uma crítica feroz a própria Hollywood: a indústria do cinema e sua obsessão por cifras, o desespero dos atores pela fama, o público que deseja diversão descerebrada e o papel medíocre dos críticos em etiquetar os defeitos de cada projeto. "Birdman" sinaliza como tudo está errado no setor do entretenimento, mas não prevê perspectiva de mudança.

O filme acompanha a saga existencial e filosófica de Riggan Thomson (Michael Keaton), um ator que teve seu período de glória no passado ao interpretar um super herói - o tal homem-pássaro do título. Agora, no presente, ele amarga o ostracismo. Buscando o retorno aos holofotes como um ator sério, o veterano decide adaptar, dirigir e protagonizar um clássico texto da literatura para o teatro.

Desta forma, a história se passa nos bastidores de uma casa de espetáculos, transcorrendo do início ao fim em um falso plano sequência. O diretor vale-se dos ensinamentos de Alfred Hitchcook em "Festim Diabólico" e utiliza cortes escondidos e efeitos visuais para realizar as emendas no suposto take de duas horas de duração. A sensação é de acompanhar o que acontece em tempo real - apesar de alguns saltos na estrutura narrativa. O feito repercute como um dos principais acertos do filme.

O roteiro, que inclusive venceu o Globo de Ouro, bebe muito da série canadense "Slings and Arrows", que serviu de inspiração para "Som e Fúria", produzido pela Rede Globo em 2009, e aborda a montagem de uma peça teatral. As semelhanças são tantas que o protagonista de "Birdman" também possui poderes paranormais. Ele é atormentado por uma estranha voz em sua mente, personificada posteriormente como o ícone cultural responsável por seu sucesso.

Se para Riggan Thomson o seu fantasma é um homem-pássaro, para Michael Keaton é um homem-morcego. O ator que interpretou Batman nas duas aventuras dirigidas por Tim Burton na década de 1990 também passou por uma série de fracassos até ser praticamente esquecido nos anos 2000. "Virei a resposta de um quiz", debocha ele, ou melhor, seu personagem nas telas. "Birdman" apresenta o retorno de Keaton ao topo na melhor atuação de sua carreira.

E não é apenas ele que brilha em cena. Edward Norton rouba a atenção para si como Mike, um ator de método, capaz de infernizar a vida de todos aqueles ao seu redor. Infelizmente o personagem e seus conflitos não são inteiramente desenvolvidos e acabam sem desfecho. Como seu par romântico, Emma Stone interpreta a filha de Thomson que recém saiu da reabilitação e ajuda o pai na montagem do espetáculo. Apesar de competentes, as poucas aparições não valeriam um Oscar. Ainda no elenco de apoio, Amy Ryan, Naomi Watts e Zach Galifianakis.

"Birdman" soa como um filme indie que, por acaso, encontrou estrelas hollywoodianas para realizar a tão esperada crítica ao sistema. Apesar de uma direção brilhante, não parece nem um pouco algum projeto do homem que trouxe dramas densos e humanos como "Amores Brutos", "21 Gramas", "Babel" e "Biutiful". Seus novos personagens tomam atitudes desmedidas e inflam egos que não encontram uma fácil identificação. São seres egoístas que mais geram repulsa que afeto.

A análise aferida ao meio artístico é válida, interessante e tratada certas vezes de forma poética, mas não deixa de repetir o que justamente critica ao utilizar de esteriótipos e clichês. Mesmo travestido de comédia, aponta o dedo para todos e se leva a sério demais. O homem-pássaro parece mais inteligente do que realmente é.

Nota: 6,7