Crítica: Sem Segurança Nenhuma




A cada ano diversos projetos independentes são chamados de “a sensação do Festival de Sundance”. O encontro que ocorre anualmente em janeiro em Park City, Utha, é a premiação alternativa mais badalada do cinema e, recentemente, consagrou diversos projetos, como “Pequena Miss Sunshine”, “Ruby Sparks”, “Loucamente Apaixonados”, “Indomável Sonhadora” e “As Sessões”. Este ano, a comédia dramática “Sem Segurança Nenhuma” tornou-se o queridinho indie do evento ao ter seu roteiro agraciado com o Waldo Salt Screenwriting Award para Derek Connolly. 

Na trama, homem publica nos classificados de um jornal que precisa de um companheiro para viajar no tempo. Nas poucas linhas escritas, ele conta que já realizou o experimento uma única vez e pede para que o passageiro leve suas próprias armas, pois a “segurança não é garantida” (referência ao título original). O caso curioso desperta o interesse de um jornalista, que parte uma cidade do interior com dois estagiários para investigar o caso. 

Entre os quatro personagens, quem rouba a cena é Darius, a estagiária escalada para interagir com o “maluco”, interpretada por Audrey Plaza (do seriado Parks & recreation). A relação desenvolvida entre a dupla é a tônica do filme. Darius encontra em sua fonte jornalística alguém parecido com ela e isso faz com que deixe ser triste e antisocial, como define seu pai em uma das cenas do início. Ela finalmente se sente parte de algo e até começa a acreditar que pode voltar no tempo. 

A narrativa esperta mistura drama, romance e ficção científica de forma simples e inteligente. Tiradas de humor também são sabiamente pontuadas durante a exibição, além de uma trilha sonora bacana, com direito a Brick by brick do Arctic Monkeys. Esse conjunto de atribuições define com excelência o resultado de uma produção independente despretenciosa e cativante. Um feito concretizado com êxito neste projeto.

Boa parcela desse mérito deve-se também ao carisma dos personagens desajustados. E o mais interessante é que cada um deles fará descobertas ao longo do filme. Apenas o enredo do jornalista Jeff (Jake Johnson) que, apesar de ser bem interessante, torna-se inconclusivo. Já a dúvida quanto a veracidade do anúncio, mantida até o último instante, deixa para o clímax a revelação se a tal máquina do tempo realmente existe ou é apenas fruto da imaginação do sujeito. 

Com apenas uma hora e 25 minutos, “Sem Segurança Nenhuma” revela-se um filme eficiente e terno sobre as relações humanas. O primeiro longa-metragem de Colin Trevorrow, oriundo do Sundance, é uma surpresa extremamente agradável. Por isso, é mais que merecido ser chamado de “a mais nova sensação do cinema independente”.   

Nota: 7,9

Crítica: O Voo



Os acontecimentos de “O Voo” são tão passíveis de ocorrer fora da tela que o filme poderia receber o selo de “baseado em uma história real”. Na trama do novo filme de Robert Zemeckis (“Forrest Gump”, “Náufrago”), o piloto de avião Whip Withaker, interpretado por Denzel Washington, depara-se com uma falha mecânica que provoca o mergulho em queda livre da aeronave. Withaker consegue, através de uma manobra surpreendente, salvar boa parte dos passageiros. O feito louvável o transforma em herói americano. Entretanto, um exame de sangue posterior ao acidente comprova a existência elevada de álcool no organismo do piloto. Withaker dirigiu o avião embriagado. 

A partir desse ponto, o filme desenvolve questionamentos éticos sobre a possível culpa do comandante quanto à morte de quatro passageiros e dois tripulantes, decorrentes da aterrissagem forçada. A problemática, que poderia facilmente ser um acontecimento verídico, é mais complexa do que se pode julgar de imediato. Assim, o roteiro explora dualidades essenciais, como por exemplo: ao mesmo tempo que demonstrou ser um excelente piloto, evitando o provável desastre aéreo, Withaker também recebe repreensões por sua conduta, que, caso não estivesse alcoolizado, poderia ter salvo mais pessoas. Será?

Em uma de suas melhores atuações, Washington assume o personagem com um desempenho irretocável, apresentando-o de forma humana, na oscilação entre as faces de farrista, ameaçador, arrependido e bêbado. O ponto máximo é o seu depoimento durante o tribunal de acusação. Completam o elenco, os competentes Don Cheadle, Tamara Tunie, Melissa Leo e James Badge Dale, em ponta marcante como um paciente terminal. 

A narrativa de “O Voo” desenvolve-se em dois períodos. O início é de ação, com as cenas sufocantes do acidente - este que é peça fundamental para os futuros acontecimentos. O restante do filme avança pelo drama, com direito a uma subtrama desnecessária, que envolve Kelly Reilly como uma drogada. De tão descartável, a atriz nem aparece no trailer do projeto. Porém, o roteiro insiste em torná-la importante, colocando seus momentos intercalados, inclusive, com o que ocorre no interior do avião. Essa tentativa de par romântico serve apenas para aumentar a duração do filme.  

Zemeckis comanda o espetáculo com a experiência de veterano no cinema, valorizando o que seu projeto tem de melhor: a atuação do protagonista, a tensão do acidente, o questionamento ético e a aceitação do alcoolismo. Mesmo com os últimos minutos tendendo a uma lição de moral e frases de efeito/clichê, “O Voo” consegue um resultado excepcional ao apresentar um caso polêmico que, ao invés de dividir opiniões, deixa o espectador com dificuldade de escolher um lado. 

Curiosidade
O longa-metragem inspirou-se no fato verídico ocorrido em 2000, em que um avião rumo a Chicago, repentinamente, mergulhou em direção ao solo. O piloto precisou colocar a aeronave de “cabeça para baixo” a fim de estabilizá-la. Ao contrário do filme, o pouso não foi bem-sucedido. Nenhum passageiro sobreviveu.

Nota: 7,8

Crítica: Os Miseráveis



"Os Miseráveis" é um sucesso desde que foi lançado em 1962. Vendeu mais de sete mil exemplares nas primeiras 24 horas na capital francesa. Durante as décadas seguintes, a história de Jean Valjean foi assistida por mais de 60 milhões de espectadores no teatro e adaptada 46 vezes para o cinema e a televisão. Este ano, Hugh Jackman interpreta o coitado que roubou um pão, tornou-se prisioneiro e acabou perseguido para sempre pelo inspetor Javert (Russel Crowe). Então, a pergunta é: o que esta recente versão apresenta de novo?

Após a consagração de "O Discurso do Rei" com cinco Oscars, Tom Hooper poderia escolher o projeto que quisesse. A decisão foi recontar a obra de Vitor Hugo, igualmente famosa por sua versão musical na Broadway. O visual primoroso é o maior mérito da atualização do clássico. Um trabalho magnífico de direção de arte, fotografia, figurino e maquiagem – requisitos merecidamente indicados aos Oscar. 

Além da atmosfera histórica, recriando o período da Revolução Francesa de forma impressionante, o cineasta foi bem sucedido ao desafiar os atores a cantarem ao vivo durante as filmagens, sem a gravação em estúdio e posterior dublagem. Por um lado, o canto perde um pouco em qualidade, mas, por outro, a atuação é potencializada na sua carga dramática. A técnica valorizou as interpretações de Hugh Jackman – em sua melhor performance - e Anne Hawthaway, que levou o Oscar como Atriz Coadjuvante. 

O núcleo da trama que envolve Jackman e Hawthaway é o mais interessante do projeto. Nos 40 minutos iniciais, em que os dois contracenam juntos, "Os Miseráveis" é um musical perfeito, envolvente e vigoroso desde as cenas em que o pobretão Jean Valjean é humilhado por Javert até ele receber a ajuda de um bondoso padre e dar a volta por cima. Nesse contexto, surge Fantine, funcionária da fábrica gerenciada por Valjean, que perde o emprego e sucumbe à prostituição para ajudar a filha.    

Após essa primeira parte inspirada, o longa-metragem vai perdendo o ritmo com uma série de tramas tediosas, como os insuportáveis tutores de Cosette (Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen), o romance morno entre a jovem (Amanda Seyfried) e Marius (Eddie Redmayne) e, por fim, o cenário de luta armada, ápice da revolução, que, infelizmente, carece de emoção. Até mesmo as músicas perdem a graça ao longo da narrativa, com exceção daquelas cantadas pela trágica personagem Éponine (Samantha Barks) e o hino absoluto do projeto, "One More Day".

Mesmo sendo cansativo, "Os Miseráveis" mantém-se grandioso, somando cenas icônicas que ficarão para a história do cinema. A principal marca do filme é a ausência de diálogos. Cantado do início ao fim, pode provocar repulsa em alguns avessos ao gênero. O sucesso comercial – e também em premiações -, provavelmente, deve-se ao fato da história ser muio familiar aos americanos. Ao restante do mundo, não tão apaixonado pela obra, o resultado é um bom filme, irregular ao longo de seus 157 minutos, mas que vale a sessão pela pompa e pelo capricho visual como conta sua história. 

Nota: 7,5