Crítica: "O Lobo de Wall Street"



A idade não amoleceu o coração do homem que trouxe “Caminhos Perigosos”, “Taxi Driver”, “Touro Indomável” e “Os Bons Companheiros”. Aos 71 anos, Martin Scorcese mostra que continua ousado e controverso com “O Lobo de Wall Street”, uma história verídica recheada de sexo, violência, linguajar chulo e muitas drogas – não por menos a produção foi censurada para menores de 18 anos.

O longa-metragem é baseado no livro homônimo de John Belfort, que relata sua experiência no mercado de ações. Ambicioso desde jovem, ele se tornou multimulionário aos 26 anos. Sua brilhante jogada foi investir em papéis de baixo valor e fora da Bolsa de Valores, tornando-se líder de um esquema de corrupção. Como presidente da Stratton Oakmont, transformou a empresa em uma espécie de máfia ou um centro religioso, que chamava seus corretores de Mestres do Universo.

A rápida ascensão de Belfort e de seus companheiros possibilitou uma vida frenética de diversão sem limites, dentro e fora do escritório, com festas homéricas com direito a prostitutas, substâncias alucinóginas e até mesmo anões. Sem freios para controlar uma fortuna diária em chegava em sua conta, os exageros e as inconsequências levaram o novato empresário a perder o controle de seu império.

Na pele do protagonista, Leonardo DiCaprio realiza sua quinta parceria com o diretor e, de quebra, oferece a melhor atuação da carreira. O Belfort de DiCaprio é exagerado, hipnotizante e carismático, influenciador não apenas de todos os personagens em cena como também da plateia que acaba torcendo pelo anti-herói – apesar da abordagem neutra de Scorcese.

Mais que um filme sobre Wall Street, “O Lobo” é um estudo de personagem, uma história excitante sobre um jovem se descobrindo na década de 1980, buscando seu lugar no mundo e querendo usufruir tudo que a vida pode oferecer. Belfort não queria apenas existir. Ele queria mais e nada era o bastante. Sua trajetória não é inspiradora, mas provoca a reflexão sobre quando se tem tudo o que deseja. É a desastrosa combinação de poder, drogas e dinheiro.

Apesar dos fatos terem ocorrido durante os anos 80, o filme é extremamente atual. A abordagem cinematográfica não dispensa certas críticas, como a corrupção dos corretores e a conquista do sonho americano a qualquer preço. O símbolo dessa distorcida realidade é o personagem de Matthew McConaughey (fantástico em poucos minutos em cena), que ensina Belfort todos os “truques” do negócio sujo.

Com mais de 30 títulos no currículo, Scorcese supera-se em uma obra agressiva, obscena e visceral. A duração de três horas não é empecílio, pois o diretor comprova o completo domínio do que ocorre na tela. Ele brinca com o ritmo da produção, alternando múltiplas cenas aceleradas com momentos em que prefere diminuir o fluxo e se deliciar com uma longa sequência, como a hilariante aventura compartilhada por Belfort e seu amigo Donnie (Jonah Hill, inspirado) ao tomar um vidro de comprimidos vencidos.

“O Lobo de Wall Street” já é um marco na carreira do diretor. Um filme memorável, com uma história vibrante e surpreendente, em perfeita sintonia com seu elenco. O projeto ainda é afinado por passagens cômicas e uma trilha sonora rock´n´roll. De absurdos e hedonismo exarcebado, nasce mais um clássico para a consagrada filmografia de Scorcese.

Nota: 9