Daybreakers


Numa época em que os vampiros são classificados como seres sem presas, que brilham na luz e não se alimentam de sangue humano, a produção “Daybreakers” surge, ao menos, para tentar honrar a originária fama dos sanguessugas. A história se desenrola a partir de uma situação nova no gênero: quase totalidade da raça humana se transformou vampiro. Os poucos que sobraram vivem escondidos e sob a constante ameaça de servirem como alimento para a população dos dentuços. Na escassez de sangue puro, a expectativa de vida torna-se mínima, reduzindo os morto-vivos em subespécies horrendas, que, desesperadas matam os demais vampiros para se alimentar.

A situação é de caos e medo na cidade em que se passa a trama. Cartazes com figuras das Forças Armadas promovem a captura dos humanos. O governo prevê que o estoque de sangue deve terminar em menos de um mês. Essa atmosfera é retratada com imagens azuladas e escuras, pouca utilização de trilha sonora e alguns sustos. A produção inicia com a tensão necessária para se tornar um ótimo exemplar dos filmes de vampiros.

“Daybreakers” não sustenta o argumento inicial porque decide transitar através de desdobramentos comuns, sem aproveitar o diferencial do projeto e direcionando a narrativa até uma matança de vampiros chata que ao invés de assustar dá sono. Ethan Hawke e Sam Neil – sem comentar a péssima Isabel Lucas - estão ali para pagar o aluguel, já que não se esforçam para aparentar que são sugadores de sangue. O reduto do filme é aproveitar que o gênero está em alta e tentar descolar um espaço ao lado de “Anjos da Noite” na locadora. Até porque as diferenças entre os dois não são muitas.

Nota: 5

Alice no País das Maravilhas


“Alice” foi apenas o primeiro. Pode ir se preparando para uma enxurrada de produções cinematográficas em 3D que irão recontar as clássicas histórias infantis. Os anúncios começaram a ser divulgados após a confirmação do novo recorde do filme: em três meses da estreia mundial, ultrapassou a marca de 1 bilhão de dólares e está atrás apenas de “Avatar” e “Titanic”. Descartando as arrecadações de bilheteria, o longa-metragem é indiscutivelmente um banquete visual, reproduzindo exatamente o que foi proposto pela extasiante divulgação. Assim, a experiência de assistir no cinema, aliado com a tecnologia 3D, é para deixar o público maravilhado com o universo grandioso criado por Tim Burton.

A história homônima de Lewis Caroll é recontada e transformada em uma aventura fantástica, com a introdução de uma guerra entre dois reinos, monstros, cavaleiros do mal, dilemas amorosos e muito mais. Não dá para esperar fidelidade ao original – até porque o roteiro condensa o livro do título e sua continuação, “Através do Espelho”. As primeiras cenas exibindo uma Alice adolescente sendo pedida em casamento já demonstram que estamos frente a frente a uma nova proposta. Para aproveitar a viagem, é preciso mergulhar no universo lisérgico do conto e não se preocupar com suas origens.

O chapeleiro maluco, a lagarta que fuma narguilé, o coelho serelepe e o gato risonho estão no filme, cada um com suas excentricidades adoráveis. A produção consegue valorizar esse punhado de personagens bacanas, embora sempre tenha alguns que se destacam mais, como é o caso dos gêmeos gordinhos com suas façanhas humorísticas e a Rainha Vermelha, de uma maldade divertida – mérito da perfeita atuação de Helena Broham Carter. Já a jovem Mia Wasikowska, que tem o perfil ideal para interpretar a protagonista, fica apagada perante os seres de Wonderland, que são infinitamente mais atrativos.

A base do filme pode ser “Alice no País das Maravilhas”, mas definitivamente essa não é a história contada na tela. Tim Burton utilizou o ponto forte do conto original - a situação atípica de uma menina cair em um buraco, diminuir de tamanho e conviver com seres bizarros em uma terra desconhecida - e esculpiu para a sua musa um universo novo com maior desenvolvimento dentro e fora do mundo fantástico, sem deixar de lado o seu toque gótico inconfundível. A tradução rendeu uma aventura deslumbrante, que, assim como o original, encanta em suas particularidades.

Nota: 8

Tudo Pode Dar Certo


O som do jazz começa a tocar antes mesmo do início dos créditos. A tela permanece escura e as primeiras palavras são apresentadas em branco. Segue o nome do filme e logo depois a lista de atores em ordem alfabética. O modelo continua até o encerramento com o nome do diretor, que certamente também será atribuído ao cargo de roteirista. Essa sequencia é uma marca registrada dos filmes de Woody Allen, que desde o início da carreira utiliza como abertura de seus projetos o mesmo padrão. Aquele espectador bem informado já reconhece o artifício e pode ter uma ideia do que virá a seguir: essencialmente dramas cômicos e adultos sobre o sentido da vida.

Nesse ano, a novidade é que depois de bandas pela Europa, o cultuado cineasta retornou aos Estados Unidos - mais precisamente à sua querida Nova York - para contar uma de suas típicas comédias. Em “Tudo Pode Dar Certo”, Boris (Larry David) é um senhor arrogante e pessimista que dá abrigo a uma garota do interior (Evan Rachel Wood) que estava vivendo nas ruas da cidade como um mendigo. A afinidade entre eles não demora para acontecer e, aos poucos, a menina se torna pupila dos ensinamentos distorcidos do velho.

A história dessa vez é levemente previsível, mas não deixa de ser curiosa. O sabor de seus filmes, como sempre, está nas sutilezas do roteiro, que opta por altas doses de sarcasmo e ironia muito bem articuladas. O protagonista que profere a maior parte desses desaforos é Larry David, o comediante de “Crub Your Enthusiasm”, que encara com perfeição o alterego do diretor. São dele os melhores e mais engraçados momentos da produção. A neura característica dos personagens de Allen encaixa-se na trama com maestria e é explicitada através das reclamações e teorias particulares de Boris.

Woody retoma temas abordados em trabalhos anteriores como “Crimes e Pecados”, quando refere-se ao universo indiferente ao qual estamos inseridos ou à “Manhattan”, no momento em que aborda o relacionamento entre uma jovem menor de idade e um homem maduro. A visão cética do diretor está refletida no próprio título do filme, “Wathever Works”, uma clara menção à teoria defendida por Boris sobre o amor. Para ele, esse sentimento não é tão puro: o amor é reduzido a “qualquer coisa que funcione” e que seja boa para ambas as partes. E de certa forma, como observamos no longa, ele tem razão.

Como muitos diretores, Allen segue o seu estilo de forma fiel e apresenta mais do mesmo. O inusitado é que esse repeteco é muito mais gostoso do que a lista de produções descerebradas lançadas ultimamente. Embora seu novo exemplar não apresente tanto frescor, o roteiro inteligente já rende um entretenimento muito acima da média. De “defeitos”, pode-se queixar do desfecho conferido ao pai da menina e o tratamento raso e artificial dado ao seu possível namorado. E mais detalhe: não seria nada ruim se tivesse menos entradas de coadjuvantes. Assim, o melhor do filme, Boris (ou Woody personificado), comandaria o projeto do início ao fim. Nada mais justo.

Nota: 8,2