Crítica: Jackie


"Jackie" não é uma cinebiografia tradicional, acompanhando desde o nascimento até a morte da primeira-dama mais famosa dos Estados Unidos. O filme dirigido pelo chileno Pablo Larrain ("No") se passa sete dias após o assassinato do presidente Kennedy, quando sua esposa decide quebrar o silêncio e falar com a imprensa.

Jacqueline recebe em sua casa o jornalista Theodore White (Billy Crudup), que, durante a conversa, fará com que sua fonte relembre a trajetória ao lado do marido e, principalmente, os acontecimentos entre a morte de JFK e o seu funeral.

O forte sotaque, a voz doce e os trejeitos levemente discordenados de Natalie Portman na pele da protagonista incomodam em um primeiro momento. O desconforto pela atuação carregada logo dilui-se frente ao trabalho dedicado tanto na fidelidade quanto na caracterização da homenageada.

A Jackie de Portman fisga o espectador e revela um trabalho elegante que, ao fim da sessão, fará com que este reveja sua opinião quanto a improvável escalação da atriz para viver a personagem. Depois de "Cisne Negro", certamente esta é sua melhor atuação.

Durante a entrevista, a ex-primeira-dama revela a jogada de mestre - ou de marketing mesmo - executada durante seus últimos dias na Casa Branca. Atormentada pela possibilidade de terminar sem nenhum tostão como a esposa de Abraham Lincoln, considerado a principal referência na política norte-americana, Jackie aproveita para oferecer a solenidade que seu marido, a nação e o mundo merecem.

A primeira-dama percebe que esta é a chance de garantir o lugar de John F. Kennedy na história. Para isso, ela enfrentará uma corja de homens poderosos querendo barrar suas ideias, incluindo o próprio irmão do falecido, Bobby (Peter Sarsgaard).

Apesar da aparente fragilidade, Jacqueline sabe que aquele é o momento decisivo da sua vida, e o torna num espetáculo, com direito à carruagem para carregar o caixão numa marcha solene pelas ruas de Washington. A primeira-dama também faz questão que seus filhos pequenos participem da cerimônia.

Desta forma, a produção apresenta o momento mais obscuro da figura pública que foi Jackie Kennedy, sem os tradicionais acenos e sorrisos em terninhos coloridos. A tela explora, na verdade, um momento de luto. Aliás, a cena da morte, inclusive com a bala explodindo o cérebro do presidente, é repetida diversas vezes na projeção.

Naquele momento, o sonho se desfaz frente aos olhos de Jackie, que esteve apenas dois anos na Casa Branca. Vê tudo ruir ao seu redor. A morte de JFK significa perder o marido, o pai de seus filhos, o casamento, o título de primeira-dama, a estadia na Casa Branca, sua fonte de renda/sustento e até mesmo seu sobrenome.

"Jackie" é um filme sobre perda, sobre legado, sobre a força feminina, mesmo que por vezes revele interesses e preocupações fúteis da biografada, como decorar a Casa Branca ou oferecer concertos para a elite. Por fim, a jornada resulta num amadurecimento da personagem, que precisa lidar com as desventuras do destino. O longa comprova que, além de John Kennedy, nascia uma outra lenda.

Nota: 7,5

Crítica: Mulheres do Século 20

Santa Bárbara, 1979. O mundo vive um período de transformações sociais que atingem a relação entre uma mãe solteira e seu filho adolescente, na famosa praia da Califórnia. "Mulheres do Século 20" é um filme de personagens - e também mais um projeto irregular do diretor Mike Mills, conhecido pelos dramas indie "Impulsividade" e "Toda Forma de Amor".

No papel de Dorothea Fields, a veterana Annette Bening é a força motriz da produção. Sua escolha foi fundamental para transparecer a montanha-russa emocional da mãe e proprietária de uma casa em constante reforma. Simbolismos aí? Talvez.

Ao longo da trama, a protagonista apresenta atitudes contraditórias, sejam elas curiosas, castradoras e até modernas e libertárias. Desta forma, Dorothea simboliza a mulher em transição dos anos 1970, que tenta acompanhar as mudanças atravessadas pelas décadas.  

Em sua casa, ela abriga duas jovens: Abbie (Greta Gerwig), uma fotógrafa que deixou a família para alugar um espaço para si, e Julie (Elle Faning), amiga e interesse amoroso de seu filho que passa as noites escondidas no quarto dele. Apesar de coadjuvantes, ambas apresentam-se como as figuras mais interessantes da história.

Como é um filme de personas excêntricas, as atuações ganham força na tela e fazem valer o ingresso. A exceção é o novato Lucas Jade Zumann, que não sustenta a força do filho rebelde na fase em que os jovens se afastam dos pais.

Além do elenco, destacam-se também a fotografia, com cores quentes muitas vezes desbotadas, como num filtro poético do Instagram, e a direção de arte, rica em composições visuais impactantes com os objetos de época. A edição também aposta numa pegada artística, com narrações e montagens fotográficas, tratando o filme como uma verdadeira obra de arte.

No geral, o longa-metragem é cheio de momentos inspirados, mas o principal problema é o encadeamento dessas sequências no conjunto total. Apesar de ter sido indicado ao Oscar 2017 na categoria de Roteiro Original, "Mulheres do Século 20" parece uma colcha de retalhos, totalmente inconstante, que funciona melhor no trailer do que na exibição completa.

É bastante semelhante aos filmes anteriores do diretor - o que faz pleno sentido, pois suas criações falam de tudo um pouco, sem ter foco ou oferecer profundidade sobre os assuntos. Para completar, desta vez, Mills comete um pecado maior: utiliza um título pretensioso no momento que quer definir e apresentar as gerações das mulheres do século 20 através de um olhar superficial das mesmas.

Nota: 6,0