Uma Mãe em Apuros


Todos nós sabemos que as crianças são seres endiabrados e precisam de monitoramento 24 horas. Justamente pela intensa dedicação, as mães acabam abdicando do campo profissional e da vida social para poder cuidar de suas crias. “Uma Mãe em Apuros” aborda essa questão: Eliza abandona sua promissora carreira como escritora para cuidar da casa, do marido e dos dois filhos. Durante o longa, acompanhamos um dia na vida da protagonista, que tenta levar as crianças para a escola, passear com o cachorro, fazer compras, ajudar a vizinha idosa e organizar uma festa de aniversário para a filha no final da tarde.

Vendida como comédia, a produção engana quem está à procura de um passatempo divertido no estilo de “Um Tira no Jardim de Infância” ou “Operação Babá”. Praticamente um drama, o filme observa Uma Thurman sempre descabelada, suada e quase tendo um infarto orque tudo resolveu dar errado. É difícil acreditar que todos os dias de sua vida são assim. As situações são tão estressantes e fora do comum que a lei de Murphy certamente foi aplicada com rigor para sacanear a personagem.

“Uma Mãe em Apuros” ao invés de tratar o assunto de forma verdadeira ou com humor, prefere criar acontecimentos forçados para tentar afirmar que as mães urbanas são “heroínas”. O exagero está presente nas atitudes inconseqüentes de Eliza como, por exemplo, quando ela resolve colocar na internet que sua melhor amiga se masturba com os brinquedos do filho ou então quando ela discute com os vizinhos por não ter tempo de limpar da calçada as necessidades do seu cachorro ou ainda quando briga no trânsito porque ela está trancando a rua e não quer sair.

Seguindo nessa linha, as demais situações também são sofríveis e pouco reais. O roteiro utiliza o recurso da personagem ter um blog para poder desenvolver os seus conflitos de “jovem mamãe”. Essa técnica foi incorporada com êxito no seriado “Sex and the City” e até mesmo no recente filme “Julie & Julia” – porque são elementos vitais para o andamento da narrativa. Aqui, é uma preguiça do texto que prefere trabalhar os problemas através de narrações tediosas. Para completar o acúmulo de insatisfações, ao término, tudo se encaminha para o clássico “final feliz” renunciando os problemas que Eliza vivenciou pouco tempo antes. Tenha dó.

Nota: 2

Mary and Max


2009 foi um ótimo ano para as animações voltadas ao público adulto. Se não bastasse o adorável e familiar “Up – Altas Aventuras”, recebemos também a excelente surpresa “O Fantástico Sr. Raposo”, no qual Wes Anderson transportou seu universo particular para o formato animado. Entre os três, “Mary and Max” é o longa mais adulto.

Baseado em uma história real, o roteiro de Adam Elliot (também diretor) conta a história de uma menina de oito anos que se corresponde através de cartas com um homem de 44. Ambos solitários e com problemas de encarar o mundo, eles se identificam rapidamente, tornando-se amigos e mantendo essa relação por muito tempo.

Narrado praticamente do início ao fim, “Mary and Max” apresenta diálogos mínimos e consegue com o artifício pouco usual da narração ininterrupta deixar o filme interessante e ágil. A fotografia predominantemente ancorada no preto e branco (com leves toques de vermelho) traduz a visão que os personagens possuem do mundo. Ao contrário das formas fofinhas das demais animações, os personagens aqui possuem traços oblíquos e “gordurosos”, transformando-os em seres estranhos e feios.

O conteúdo "pesado” para um público infantil (autismo, suicídio, alcoolismo, diferença sexual, obesidade) coloca a animação em um patamar mais elevado. Os personagens do título são duas crianças (independente da idade) com problemas sociais graves e que encontram um no outro a força de seguir seus dias sem encontrar uma compreensão maior. “Mary and Max” realiza uma exaltação à amizade e encerra como uma linda história de vida. Apesar de bastante elogiado e vencedor de alguns prêmios, o filme foi ignorado pela Academia. O destino é virar “cult”.

Nota: 8

Nine


Rob Marshall retornou ao gênero que lhe consagrou em 2002 com o filme “Chicago”, vencedor de cinco Oscar. “Nine”, na verdade, é um musical da Broadway encenado desde 1982 e baseado no filme “8 ½” de Fellini. A missão do diretor era transpor para as telas a versão dos palcos com muito mais glamour, cortes, coreografias e astros do cinema.

Assim como na obra original, a trama gira em torno de Guido Contini, cineasta famoso que cometeu dois fracassos retumbantes nos últimos anos. O próximo filme é um épico sobre o seu país de origem, a Itália, e é com esse projeto que vem a chance de voltar aos holofotes. Conforme a produção técnica vai definindo os cenários, figurinos, casting e outros detalhes, o diretor que ainda não apresentou o roteiro a ninguém sofre com dificuldades de desenvolver a primeira linha do texto.

A crise de Guido reflete na sua carreira, nas mulheres de sua vida e, conseqüentemente, no roteiro do seu novo filme. Para realizar a obra cinematográfica, primeiro ele terá que lidar com as desconfianças da sua esposa (Marion Cotillard), o fogo incontrolável da amante (Penélope Cruz) e a sedução das fãs (Kate Hudson). Tentando sobreviver em meio ao caos, o personagem volta e meia conversa com o fantasma da mãe (Sophia Loren), relembra fatos determinantes para o seu crescimento, como a primeira experiência com a sensualidade feminina (Fergie) e escuta atentamente os conselhos de uma amiga de anos (Judi Dench).

Guido é estereótipo do homem italiano: másculo, sedutor, bem sucedido e de muitas mulheres. Seria essa a mensagem da música mais marcante do longa: “Be Italian” representada pela cantora do Black Eyed Peas. Tentando ser algo além de sua capacidade, o Guido de Rob Marshall vai mergulhando em um abismo, passando de mulher para mulher, e assim as perdendo. A redenção vai depender do que ele absorver dessa jornada.

Os números musicais pontuam a narrativa para que possamos compreender melhor a angústia de Guido e os desejos das representantes femininas. Na maior parte das vezes essas intervenções chegam através de sonhos, fantasias e alucinações, acrescentando ao desenrolar da história. As músicas enriquecem o drama dos personagens e completam as emoções de cada, sem apelar para transições bruscas entre o real e o fantasioso.

A quantidade elevada de personagens, em certos momentos, prejudica o andamento da trama, já que não encontra soluções para todos eles. Apesar de o foco ser em Guido, as figuras que passam por sua vida tornam-se mais interessantes que o próprio protagonista. O ritmo da produção também é enfraquecido com as mudanças de tramas, justamente porque umas são de presença vital e outras nem tanto assim.

Em contrapartida, o time de estrelas encanta a platéia: Daniel Day-Lewis incorpora o cineasta em crise com perfeição; Nicole Kidman está radiante como a estrela de “Itália”; Kate Hudson requebra e seduz tanto Guido como o espectador; Sophia Loren esbanja a elegância e o charme da mulher italiana; Judi Dench mostra que sabe encarar um número musical com muito esplendor; Penélope Cruz tem verve de sobra para ser o caso picante de Guido; Marion Cotillard emprega emoção e delicadeza à personagem mais bem construída e Fergie completa o time com uma interpretação intensa e extremamente sensual.

Acompanhando o poder hipnótico desse time de beldades, o figurino e os cenários deslumbrantes encaixam-se primorosamente com as seqüências musicais. A fotografia do filme também é um destaque à parte, abusando de tons de rosa e roxo, alterando colorido com preto e branco e realizando jogos de luz e sombras para dar um visual refinado e condizente ao glamour do mundo do cinema. O trabalho de edição, com muitos cortes e em sintonia com as batidas das músicas, merece ser salientado.

A direção de Rob Marshall e o estilo que conferiu ao projeto são semelhantes ao de “Chicago”. A nova produção, infelizmente, peca com o seu desenvolvimento irregular, mas possui atributos inegáveis – como todos aqueles já citados – que o tornam igualmente fascinante. Encarando assim, “Nine” pode ser sexy, contagiante, belo e emocionante. Um espetáculo do início ao fim. Basta deixar-se levar pelo ritmo da música.

Nota: 9

Simplesmente Complicado


A diretora Nancy Meyers, de “Alguém Tem Que Ceder”, retoma o amor na maturidade com um trio protagonista de peso: Meryl Streep, Alec Baldwin e Steve Martin. O triângulo amoroso rende uma comédia divertida que não foge da linha dos outros filmes da diretora: açúcar, risadas e drama.

Meryl interpreta Jane, uma mulher independente, dona de uma padaria, mãe de três filhos e divorciada. Após um longo período sem se envolver em relacionamentos amorosos, eis que surgem dois homens em sua vida: o charmoso arquiteto Adam (Martin) e o retorno do ex-marido Jake (Baldwin). Embora trabalhe com questões comuns entre as mulheres dessa idade, o terreno do jogo é a comédia e isso fica claro quando o roteiro introduz elementos artificiais justamente para provocar risadas.

A briga entre o real e o inverossímil acontece até o encerramento do filme. A cena em que o triângulo é descoberto, por exemplo, parece ter sido escrita para um filme de humor pastelão. O filme perde seu rumo perto do final quando deixa a balança pender para o lado do melodrama. Alguém consegue “engolir” que após dez anos os filhos de Jane e Jake ainda não superaram o divórcio dos pais?

Beneficiado pela presença da ótima Meryl Streep, “Simplesmente Complicado” deixa passar alguns deslizes que acabam mascarados pela competência da atriz. Ela e Alec Baldwin são responsáveis pela melhores cenas, já que apresentam uma boa química. Enquanto isso, Steve Martin parece perdido no projeto com uma constante expressão de “cachorro abandonado”. Ao término, a comédia romântica cumpre a proposta: agrada o público que possui a mesma faixa etária dos protagonistas, e de quebra, rende entretenimento leve e engraçado para as demais idades.

Nota: 7

O Fim da Escuridão


Depois de oito anos sem aparecer frente às câmeras, Mel Gibson volta a atuar em um filme de ação e mostra que, além das rugas e do cabelo grisalho, ainda tem força para “segurar” um filme sozinho. Nesse período afastado, o astro comandou dois longas polêmicos (“A Paixão de Cristo” e “Apocalypto”) e se envolveu em escândalos por ter realizado comentários anti-semitistas durante uma bebedeira. Com “O Fim da Escuridão”, o ator comprova que sua força continua inalterada na indústria do cinema.

Baseado em uma minissérie britânica de 1985, o roteiro é sobre um policial que vai ao seu próprio limite para vingar a morte da filha. A trama manjada segue a cartilha dos filmes do gênero, utilizando a mesma história de sempre com elementos variados – no caso, uma grande empresa está por trás de um esquema que envolve armas nucleares. O tema levemente complicado aproxima-se ainda de tramas políticas e deixa o espectador comum por oras distante. Para capturar a atenção do público, o diretor investe em cenas de ação violentas e chocantes – sempre bem-vindas.

Ao contrário do que promete, o filme não é recheado de tiroteios e lutas. O diretor Martin Campbell dá um ritmo lento para sua obra, carregando em diálogos e informação, que por vezes recebe intervenções de violência abrupta. O pai interpretado por Gibson entra para a galeria dos “homens vingadores” já construídos pelo ator, estes definidos pelo olhar penetrante, cara de mau e obsessão em descobrir os culpados.

Desconsiderando o encerramento “feliz” extremamente forçado, “O Fim da Escuridão” é um bom filme, que na maioria das vezes, soa realista principalmente pelo tom adotado na narrativa e pela presença de um ator que sabe captar a atenção do público - mesmo depois de quase uma década sem dar as caras.

Nota: 6,9

Amor Sem Escalas


Depois de explorar o universo adolescente em “Juno”, o diretor Jason Reitman explora o ser humano e suas relações sociais em filme adulto com roteiro brilhante. George Clooney interpreta Ryan Bingham, profissional contratado por firmas que precisam demitir seus funcionários e não tem coragem para isso. Assim, ele viaja por todo os Estados Unidos demitindo pessoas.

Ryan é experiente no assunto: possui técnicas para cada situação, teorias comprovadas, confiança em suas atitudes e lábia na medida certa. Ele demite qualquer pessoa dando um show de segurança e motivação. Eis que surge a jovem Natalie (Anna Kendrick) no seu caminho, uma funcionária queridinha do chefe que sugere o sistema de demissão por teleconferência. A novidade é recebida positivamente pela empresa e as passagens aéreas de Bingham parecem estar com os dias contados.

Procurando provar para o seu chefe que a proposta não funciona, o astuto “demitidor” deve realizar suas viagens padrões acompanhado de Natalie. A jornada pelas várias cidades revela muitas descobertas para ambos personagens, que também recebem como integrante do time uma bela executiva (Vera Farmiga) que, assim como Bingham, passa mais dentro de um avião do que em sua própria casa.

Baseado em um livro, o roteiro adaptado de Sheldon Turner e do próprio diretor fala sobre o individualismo da sociedade moderna e a inevitável solidão que esse meio propicia. Orgulhoso das intermináveis milhas de viagem, o personagem de Clooney passa a reavaliar esse hobby de colecionar horas de vôo e pensar que ao estar “up in the air” todo o tempo, ele não tem chance de conviver com sua família, de ter namoradas e, muito menos, poder casar um dia. O roteiro inteligente e de ironia mordaz trabalha com a rivalidade do amor x trabalho sem ser piegas.

O trio principal personifica esses personagens de forma verdadeira e, por conseqüência, entregam um entrosamento perfeito em cena. O diretor Jason demonstra que conhece cada detalhe da história que quer contar e seu perfeccionismo leva a construção do melhor filme de sua carreira até agora. Sorte dele, que revela-se um diretor maduro e de grande potencial, e do espectador que poderá assistir produções corajosas e espertas sobre incertezas que assombram todos nós.

Nota: 9

Julie & Julia


A gastronomia já foi bastante explorada no cinema e a continua dando bons frutos, como este “Julie & Julia”. O filme baseado em uma história real trabalha com duas linhas narrativas: no passado, conhecemos a fantástica revolução gastronômica proposta por Julia Child, americana residente em Paris que cria e importa receitas francesas para o cardápio das donas-de-casa de seu país de origem. No presente, Julie Powell é uma grande admiradora dos livros e programas televisivos de Child. Para fugir de uma crise depressiva que se anuncia, ela encara o desafio de cozinhar as 524 receitas do livro de sua grande inspiração no espaço de um ano - e relata estas experiências em um blog.

A produção representa uma biografia inusitada, uma vez que conta a vida de Julia e ainda trabalha com o conceito de “professora” e “aluna” em diferentes épocas, colocando lado a lado as duas figuras femininas, sem deixar de comparar suas semelhanças e detalhar as descobertas de cada. A forma como o roteiro equilibra as duas tramas torna o filme ainda mais fascinante e dá uma lição de vida em ambas partes.

A diretora Nora Ephron, consagrada em comédias românticas, consegue dar suavidade e ritmo a um filme dramático, deixando o tom leve e agradável. Quanto as atrizes, Meryl Streep (sempre impecável) vive magistralmente a adorável Julia Child e Amy Adams dá conta de dividir o papel de protagonista com o ícone do cinema. Bon appetite!

Nota: 8

Trama Internacional


Clive Owen pode não ter sido escalado para viver o James Bond dos anos 2000, mas certamente tem todos os requisitos necessários para interpretar agentes secretos de forma convincente. “Duplicidade”, “Mandando Bala” e “Vingança Final” estão aí para comprovar. Em “Trama Internacional”, ele assume mais um desses cargos e, junto de Naomi Watts, investiga as atividades ilegais de um dos mais poderosos bancos do mundo. A dupla percorre o globo, passando por Berlin, Milão, Nova York e Istanbul.

A câmera de Tom Tykwer valoriza a arquitetura das cidades modernas ao mesmo tempo que dá forma a um thriller à moda antiga, trocando a linguagem acelerada tão presente nos novos exemplares de ação por cenas mais pontuais e discursivas. A sequência de maior adrenalina do longa se passa no museu Guggenhein e já entrou na lista das melhores do gênero.

Nota: 7

Cold Souls


“Cold Souls” é a prova de que um belo cartaz vende um filme. As diversas faces de Paul Giamatti no pôster anunciavam um novo filme-cabeça, ao estilo de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”. Os primeiros minutos até condizem com a estratégia de marketing: ator depressivo recorre a um programa diferente para extrair sua alma e deixar de sofrer. Ele não se acostuma em viver praticamente sem emoções e quer sua alma de volta.

O plot é bastante curioso. A desvantagem é que a narrativa lenta não apresenta novos atrativos e passa a encontrar dificuldades na tentativa de sustentar o seu argumento principal. “Cold Souls” tinha uma idéia original, mas morre na praia porque não consegue ser tão ousado e inventivo quanto seu desenvolvimento inicial.

Nota: 3,5

Vício Frenético


Após ter praticamente destruído sua carreira com os projetos mais recentes (“Presságio”, “O Vidente”, “Perigo em Bangkok”, “O Sacrifício”, “Motoqueiro Fantasma”), o astro Nicolas Cage teve a chance de sair por cima com a refilmagem de um filme policial dos anos 90 que recebeu uma modernização pelo diretor Werner Herzog.

“Vício Frenético” inicia com o caso de uma família de angolanos assassinada em um bairro “barra pesada” de Nova Orleans. Tudo indica que o motivo esteja relacionado ao tráfico de drogas. Lentamente, a investigação é deixada de lado e quem ganha destaque são os conflitos do personagem de Cage.

O tira extremamente violento e drogado deveria ser um papel desafiador para o veterano ator, provocando sua capacidade inquestionável vista em filmes como “Despedida em Lãs Vegas” e “O Sol de Cada Manhã”. Cage realmente parece estar se esforçando em cena, mas o seu empenho apenas resulta em uma atuação razoável. Dificultando ainda mais, sua companheira na tela, Eva Mendes - além de atuar sempre o mesmo personagem (a gostosona) – faz o par romântico do protagonista deixando explícito que lhe faltam muitas aulas de interpretação.

A direção “quadrada” do diretor não investe em ousadias e o roteiro banal também não contribui. Dificilmente vai ser com esse filme que o astro receberá seu prestígio de volta.

Nota: 4,5