Tudo Pode Dar Certo


O som do jazz começa a tocar antes mesmo do início dos créditos. A tela permanece escura e as primeiras palavras são apresentadas em branco. Segue o nome do filme e logo depois a lista de atores em ordem alfabética. O modelo continua até o encerramento com o nome do diretor, que certamente também será atribuído ao cargo de roteirista. Essa sequencia é uma marca registrada dos filmes de Woody Allen, que desde o início da carreira utiliza como abertura de seus projetos o mesmo padrão. Aquele espectador bem informado já reconhece o artifício e pode ter uma ideia do que virá a seguir: essencialmente dramas cômicos e adultos sobre o sentido da vida.

Nesse ano, a novidade é que depois de bandas pela Europa, o cultuado cineasta retornou aos Estados Unidos - mais precisamente à sua querida Nova York - para contar uma de suas típicas comédias. Em “Tudo Pode Dar Certo”, Boris (Larry David) é um senhor arrogante e pessimista que dá abrigo a uma garota do interior (Evan Rachel Wood) que estava vivendo nas ruas da cidade como um mendigo. A afinidade entre eles não demora para acontecer e, aos poucos, a menina se torna pupila dos ensinamentos distorcidos do velho.

A história dessa vez é levemente previsível, mas não deixa de ser curiosa. O sabor de seus filmes, como sempre, está nas sutilezas do roteiro, que opta por altas doses de sarcasmo e ironia muito bem articuladas. O protagonista que profere a maior parte desses desaforos é Larry David, o comediante de “Crub Your Enthusiasm”, que encara com perfeição o alterego do diretor. São dele os melhores e mais engraçados momentos da produção. A neura característica dos personagens de Allen encaixa-se na trama com maestria e é explicitada através das reclamações e teorias particulares de Boris.

Woody retoma temas abordados em trabalhos anteriores como “Crimes e Pecados”, quando refere-se ao universo indiferente ao qual estamos inseridos ou à “Manhattan”, no momento em que aborda o relacionamento entre uma jovem menor de idade e um homem maduro. A visão cética do diretor está refletida no próprio título do filme, “Wathever Works”, uma clara menção à teoria defendida por Boris sobre o amor. Para ele, esse sentimento não é tão puro: o amor é reduzido a “qualquer coisa que funcione” e que seja boa para ambas as partes. E de certa forma, como observamos no longa, ele tem razão.

Como muitos diretores, Allen segue o seu estilo de forma fiel e apresenta mais do mesmo. O inusitado é que esse repeteco é muito mais gostoso do que a lista de produções descerebradas lançadas ultimamente. Embora seu novo exemplar não apresente tanto frescor, o roteiro inteligente já rende um entretenimento muito acima da média. De “defeitos”, pode-se queixar do desfecho conferido ao pai da menina e o tratamento raso e artificial dado ao seu possível namorado. E mais detalhe: não seria nada ruim se tivesse menos entradas de coadjuvantes. Assim, o melhor do filme, Boris (ou Woody personificado), comandaria o projeto do início ao fim. Nada mais justo.

Nota: 8,2

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