Crítica: Garota Exemplar


David Fincher, definitivamente, é um mestre do suspense. Desde o início de sua carreira, com o desastroso “Alien 3”, ele já provocava tensão no espectador. Se no filme do alienígena boa parte do seu material gravado foi descartado pelo estúdio, em “Seven - Os Sete Pecados Capitais” ele atingiu a consagração como um dos diretores mais promissores dos anos 90. Cumpriu sua promessa.

Lançou “Vidas em Jogo” e “O Quarto do Pânico”, dois longas-metragens de roer as unhas. Com “Zodíaco”, mais uma vez, abordou o universo de um serial killer. Após essa experiência, seu nome foi o mais indicado para adaptar o bestseller “Millennium - Os Homens que não Amavam as Mulheres”, sobre a investigação de um crime sem solução há mais de 40 anos.

Se o suspense permeou os principais filmes de sua carreira (até o “Clube da Luta” possui uma dose de mistério e tensão), o novo projeto do diretor só poderia ser um caprichado quebra-cabeças. Em “Garota Exemplar”, Fincher adapta mais uma obra literária para o cinema e utiliza a atmosfera sufocante para contar a história do marido (Ben Aflleck) que chega em casa e descobre que sua esposa desapareceu.

A partir dessa premissa, a trama envereda por várias searas do relacionamento do casal: as constantes brigas, a complicada situação financeira, o ex-namorado obsessivo dela e a jovem amante dele. Ou seja, a vida perfeita de Nick e Amy é pura fachada. O casamento em frangalhos torna-se o foco dessa primeira parte, que aos poucos apresenta como principal suspeito do crime o próprio marido.

Porém, na metade de “Garota Exemplar”, rompe-se com essa estrutura narrativa e ocorre o grande turning point do projeto. Surpreendente e talvez um pouco mirabolante. A partir desse momento, o filme dedica-se a cuidar da reviravolta e de suas consequências. Fincher, como bom arquiteto do suspense, empenha-se em convencer a plateia da sua proposta. E o roteiro a leva além dos limites imagináveis.

É esse pulso firme do cineasta, com uma direção segura e classuda, que torna o projeto sólido, mantido pela tensão e curiosidade latente. Exatamente a mesma receita de suas produções anteriores, aprimorada ainda mais no primeiro capítulo da série “Millennium”. Uma fórmula infalível até mesmo para a extensa duração de 150 minutos, que em nenhum momento apresenta sinais de cansaço.

Somado a essa aula de como conduzir uma narrativa policial, Fincher recebe em troca atuações a altura. Ben Affleck, competente como de costume, provoca dúvidas quanto a sua personalidade, sem cair numa caricatura. Enquanto isso, Rosamund Pike, escolha irrevogável do diretor, surpreende com delicadeza e força assustadora para uma figura instável. O time de apoio, como a irmã de Nick (Carrie Coon), o advogado (Tyler Perry) a policial responsável pela investigação (Kim Dickens) e os pais de Amy (David Clennon e Lisa Banes), oferece ainda mais auteticidade para esse universo tipicamente americano.

Por todos estes méritos, Garota exemplar é um engenhoso suspense que, ao lado de produções como “Os suspeitos (Prisioners)”, apresenta-se como o melhor do gênero atualmente. Suas chances ao Oscar são altas, principalmente em direção, elenco e roteiro. Como resposta, o público compareceu aos cinemas e tornou o filme a maior bilheteria do cineasta nos Estados Unidos, superando “O Curioso Caso de Benjamin Button”, um dos raros dramas de sua carreira. 

Nota: 8

Crítica: Grace de Mônaco



O reinado de uma das maiores atrizes da história do cinema foi interrompido quando esta casou-se com o príncipe-soberano de Mônaco. Grace Kelly, privilegiada por sua beleza e talento, deixou os Estados Unidos e abandonou a carreira para viver um conto de fadas. Deu início, então, a um outro reinado: o de princesa num castelo no sul da França.

Apesar de fazer parte da realeza, Grace não viveu a esperada "vida perfeita". Atormentada pelas consequências de sua decisão, a jovem de apenas 26 anos enfrentou conflitos familiares, políticos e pessoais. O filme "Grace de Mônaco" concentra-se nesse período de crise da biografada, de dezembro de 1961 à novembro de 1962, quando ela percebe que não poderá mais ser uma atriz e viverá à sombra de seu importante marido.

Na essência, Grace era uma mulher destemida, de opiniões polêmicas e independente. Características abomináveis para uma nobre esposa. Sem apoio do marido e também dos pais opressores, a princesa vê-se perdida nos corredores do palácio. Ainda mais quando é proibida de aceitar o convite do mestre do suspense para protagonizar seu mais novo projeto "Marnie - Confissões de uma Ladra".

A ex-atriz, então, passa a ter aulas de etiqueta e de francês, a fim de aprimorar sua performance como princesa. Sua imagem perante o povo de Mônaco é de uma estrangeira que não merece representar o país. No meio das adversidades, Grace precisa enfrentar a crise em seu casamento e a provável guerra entre França e Mônaco, ela encontra motivação com os trabalhos humanitários. Assim, soma-se os conflitos (internos e externos) em cena, inclusive com diversos momentos de negociação política. Porém, a sensação é de frieza, falta emoção na tela.

A culpa é do roteiro superficial que pouco explora a sua homenageada. O longa-metragem de Olivier Dahan é um filme bom, porém morno, algo semelhante ao resultado visto recentemente em Hitchcock e Diana, ou seja, muito distante do êxito que o cineasta obteve com "Piaf - Um Hino ao Amor". A ideia transmitida em sua produção é de que Grace Kelly utilizava a beleza e a inteligência para resolver seus problemas, como demonstra o inspirado discurso na baile da Cruz Vermelha. Um dos pontos altos da produção.

Nicole Kidman, que foi dura e injustamente criticada no Festival de Cannes, segura o filme. Mesmo que sua atuação não seja arrebatadora, é competente o bastante e não faria milagre frente a um texto ruim. Soma-se ao elenco, boas interpretações de Tim Roth e Frank Langella, além de participações quase imperceptíveis de Paz Vega e Parker Posey.

Para completar a mediocridade da adaptação, o filme insinua um final feliz para Grace Kelly. Qualquer espectador disposto a refletir um pouco sobre a história precisará de dois segundos para perceber que ela dificilmente viveu um conto de fadas. Grace rejeitou sua bem-sucedida carreira para cuidar dos filhos e de um marido autoritário, distante de amigos e família. Escolhas da princesa de Mônaco e da atriz de cinema que mereciam um melhor acabamento do que o oferecido nesta cinebiografia.

Nota: 6,5

Crítica: Sin City: A Dama Fatal



Quase dez anos separam os dois filmes sobre Sin City. O hiato deu-se, principalmente, por problemas legais, visto que o primeiro projeto foi um sucesso de público e crítica. Com o lançamento de "A Dama Fatal", as comparações são inevitáveis. Se ambos relatam histórias de personagens marginalizados como prostitutas, bêbados e criminosos, diferem no teor e na qualidade dos contos.

Enquanto a estreia de "Sin City", em 2005, apresentava um conjunto coeso de histórias, sendo as três excelentes tramas sobre as figuras mais icônicas da graphic novel, "A Dama Fatal" oscila com tramas mais e menos interessantes, sem manter um ritmo crescente. A abertura com uma fantástica apresentação de Marv oferece todo o impacto proposto pela produção que imita os quadrinhos. Porém, essa prévia logo é esquecida, deixando o brutamontes como um coadjuvante nos enredos protagonizados por outros personagens.

Assim, ele junta-se à narrativa que envolve Dwight (Josh Brolin, substituindo Clive Owen) e sua femme fatale Ava Lord, interpretada por Eva Green, no trecho que ocupa a maior parte da exibição. O ponto alto é a beleza nua da atriz francesa, que se despe praticamente a cada cena, o que faz sentido para uma personagem que a todo momento utiliza a sua principal arma de sedução. Infelizmente o conto que dá nome ao filme não é o melhor em tela. Cai facilmente em clichês estúpidos e numa previsibilidade banal.

Em contrapartida, a trama protagonizada pelo jovem apostador Johnny (Joseph Gordon Levitt, estreando na série) revela-se a mais completa e semelhante à primeira experiência em Sin City. Sua jornada trágica e violenta apresenta, mesmo que em dois momentos, no início e no fim da exibição, a verdadeira face de uma brutal cidade que não poupa ninguém.

Completando a trinca, Nancy (Jessica Alba, em danças ainda mais sensuais) encerra o longa-metragem com uma breve tentativa de vingança ao senador Roark, culpado pela morte de sua paixão John Hartigan (Bruce Willis, em pequenas aparições como fantasma). Os rápidos minutos oferecem a adrenalina necessária, mas a agilidade em conduzir a tão esperada revanche soa simplista demais.

Apesar de deixar a desejar em roteiro, o visual deslumbrante desta suposta continuação recompensa, principalmente quando exibido no cinema. A tecnologia 3D, como em raras vezes, surpreende, não tanto pelos elementos saírem da tela mas pela profundidade e dinâmica no quadro. Logo no início do filme, sequências incríveis como de um desfiladeiro, carros girando em torno de Marv ou a neve caindo sob os prédios são de arregalar os olhos.

"Sin City: A Dama Fatal" pode não ser tão incrível e original como o primeiro projeto, mas a cidade e os soturnos moradores ainda seguem fascinantes. Suas histórias marginais, motivadas principalmente pela sede de vingança, ainda são um presente para os fãs da graphic novel e, também, do cinema noir, gênero esquecido na produção cinematográfica mais recente. Embora o passeio não apresente o mesmo frescor de antes, ainda é muito bom visitar a cidade do pecado.

Nota: 7,8

Crítica: O Protetor



Antes mesmo do lançamento de "O Protetor" nos cinemas, o estúdio da Sony já havia encomendado uma sequência do filme para 2015. A notícia comprova a clara intenção de transformar o projeto em uma franquia, seguindo o estilo do seriado dos anos 1980 "The Equalizer", o qual o filme é baseado. Como esse primeiro capítulo estreou em primeiro lugar nas bilheterias dos Estados Unidos,  do Canadá e do Brasil, a decisão foi acertada.

"O Protetor" acompanha a vida de Robert Call (Denzel Washington), que durante o dia trabalha como atendente em uma loja de ferramentas e à noite lê livros na lanchonete da esquina de casa. Lá, ele conhece uma prostituta russa (Chloë Grace Moretz) sob esquema de tráfico de pessoas. Assistindo aos abusos que a jovem sofre diariamente, Robert decide agir. 

O homem pacato revela ser uma máquina de matar, enfrentando todo o eixo leste da máfia russa em sequências cada vez mais violentas. Tem-se mortes com abridores de garrafas, peso de papel, arames farpados e até furadeiras. E, além da defesa da sua protegida, o veterano passa a ajudar aqueles a sua volta, como os colegas de trabalho. 

Robert, na verdade, é um ex-agente da CIA que trabalha no comércio para disfarçar a sua perigosa personalidade. Provocado pelas injustiças sociais, ele sai das sombras e se torna um justiceiro, praticamente um herói urbano. O que intriga é se esse rastro de sangue terá consequências, pois pouco mostra-se sobre o aval de seus superiores quanto ao método sem freios do Protetor. 

No auge da carreira, com um salário de 20 milhões de dólares, Denzel Washington protagoniza a suposta série de títulos e convence como um sujeito ameaçador, hábil em inúmeros golpes - mesmo estando prestes a completar 60 anos. Na outra ponta da balança, Marton Csokas equilibra o duelo como um vilão igualmente sombrio. 

Porém, o embate entre eles somente ocorre nos últimos minutos da projeção. O diretor Antoine Fuqua aposta em um ritmo lento no início, que desenvolve a relação do policial aposentado com a garota - o que seria a motivação para revelar sua verdadeira identidade. Somente na segunda metade que a produção ganha ares de filme de ação.

"O Protetor", a nova parceria entre Washington e o cineasta (os dois haviam trabalhado juntos em "Dia de Treinamento", que rendeu um Oscar para o ator), é um bom entretenimento. O sucesso nos cinemas só torna ainda mais garantido o futuro da franquia. Não por menos os produtores deixaram uma pista ao final do filme, quando o herói atende um pedido de ajuda pela internet. Exatamente como ocorre a cada novo caso do seriado.

Nota: 7

Crítica: Amante a Domicílio


John Turturro acordou com a vontade de ser Woody Allen. Escreveu um roteiro cômico-dramático que se passa em um bairro judeu de Nova York, introduziu uma trilha sonora jazzística instrumental e ainda escalou o próprio cineasta para atuar. Não é por menos que “Amante a Domicílio”, dirigido por Turturro, é constantemente confundido como um filme de Allen. O problema, ou melhor, a realidade, é que ele não é o seu ídolo.

A trama, também de responsabilidade de Turturro, acompanha Murray (Allen), dono de uma livraria que tenta convencer o amigo Fioravante (Turturro, novamente), um vendedor de flores, a virar um gigolô de luxo. As primeiras clientes são mulheres ricas e casadas, basicamente entediadas com a vida monótona existente nos altos prédios da metrópole. Assim, de lar em lar, de cama em cama, a nova profissão leva Fioravante a conhecer a judia Avigal (Vanessa Paradis), que pode mudar o rumo da história.

Com “Amante a Domicílio”, Turturro demonstra talento na direção, alterando bom humor e sensibilidade com belas tomadas. O tom da narrativa também obedece esse ritmo. O seu gigolô não é apresentado como uma máquina de sexo, mas como um acompanhante másculo e atencioso com as mulheres. Ele flerta, dança, faz massagem nas costas e conversa com as clientes. Talvez sejam esses seus diferenciais.

Se por um lado Turturro saiu-se bem no comando do projeto, por outro, todo esse esforço desempenhado na concepção dos enquadramentos afastou-o de manter o foco na atuação. Fioravante tem porte, mas não tem carisma. O ator preferiu acionar o piloto automático e deixar o público voltar os olhares para o seu ilustre companheiro de cena, o divertido Allen, que toma conta da tela como o velho cafetão, naquele estilo “Woody Allen sendo Woody Allen”.

Porém, a participação do veterano não salva o filme de seu ponto mais fraco: o roteiro, que apresenta aquela história do “gigolô por acidente” já reproduzida inúmeras vezes pelo cinema – mesmo que injetando um caráter cult. Dentro da previsibilidade, a trama ainda peca por não oferecer personagens bem construídos. A única que possui um arco dramático completo e bem desenvolvido é Avigal.

A quinta incursão de Turturro na direção pode entreter pelo charme novaiorquino, as canções suaves e o desfile de beldades, como Sharon Stone e Sofia Vergara, mas uma coisa que fique clara: Turturro, definitivamente, não é Woody Allen. Bem longe disso.


Nota: 6,5

Crítica: "O Lobo de Wall Street"



A idade não amoleceu o coração do homem que trouxe “Caminhos Perigosos”, “Taxi Driver”, “Touro Indomável” e “Os Bons Companheiros”. Aos 71 anos, Martin Scorcese mostra que continua ousado e controverso com “O Lobo de Wall Street”, uma história verídica recheada de sexo, violência, linguajar chulo e muitas drogas – não por menos a produção foi censurada para menores de 18 anos.

O longa-metragem é baseado no livro homônimo de John Belfort, que relata sua experiência no mercado de ações. Ambicioso desde jovem, ele se tornou multimulionário aos 26 anos. Sua brilhante jogada foi investir em papéis de baixo valor e fora da Bolsa de Valores, tornando-se líder de um esquema de corrupção. Como presidente da Stratton Oakmont, transformou a empresa em uma espécie de máfia ou um centro religioso, que chamava seus corretores de Mestres do Universo.

A rápida ascensão de Belfort e de seus companheiros possibilitou uma vida frenética de diversão sem limites, dentro e fora do escritório, com festas homéricas com direito a prostitutas, substâncias alucinóginas e até mesmo anões. Sem freios para controlar uma fortuna diária em chegava em sua conta, os exageros e as inconsequências levaram o novato empresário a perder o controle de seu império.

Na pele do protagonista, Leonardo DiCaprio realiza sua quinta parceria com o diretor e, de quebra, oferece a melhor atuação da carreira. O Belfort de DiCaprio é exagerado, hipnotizante e carismático, influenciador não apenas de todos os personagens em cena como também da plateia que acaba torcendo pelo anti-herói – apesar da abordagem neutra de Scorcese.

Mais que um filme sobre Wall Street, “O Lobo” é um estudo de personagem, uma história excitante sobre um jovem se descobrindo na década de 1980, buscando seu lugar no mundo e querendo usufruir tudo que a vida pode oferecer. Belfort não queria apenas existir. Ele queria mais e nada era o bastante. Sua trajetória não é inspiradora, mas provoca a reflexão sobre quando se tem tudo o que deseja. É a desastrosa combinação de poder, drogas e dinheiro.

Apesar dos fatos terem ocorrido durante os anos 80, o filme é extremamente atual. A abordagem cinematográfica não dispensa certas críticas, como a corrupção dos corretores e a conquista do sonho americano a qualquer preço. O símbolo dessa distorcida realidade é o personagem de Matthew McConaughey (fantástico em poucos minutos em cena), que ensina Belfort todos os “truques” do negócio sujo.

Com mais de 30 títulos no currículo, Scorcese supera-se em uma obra agressiva, obscena e visceral. A duração de três horas não é empecílio, pois o diretor comprova o completo domínio do que ocorre na tela. Ele brinca com o ritmo da produção, alternando múltiplas cenas aceleradas com momentos em que prefere diminuir o fluxo e se deliciar com uma longa sequência, como a hilariante aventura compartilhada por Belfort e seu amigo Donnie (Jonah Hill, inspirado) ao tomar um vidro de comprimidos vencidos.

“O Lobo de Wall Street” já é um marco na carreira do diretor. Um filme memorável, com uma história vibrante e surpreendente, em perfeita sintonia com seu elenco. O projeto ainda é afinado por passagens cômicas e uma trilha sonora rock´n´roll. De absurdos e hedonismo exarcebado, nasce mais um clássico para a consagrada filmografia de Scorcese.

Nota: 9