Lembranças


O burburinho em volta de “Lembranças” deve-se apenas pela presença de Robert Patinsson. Se não fosse por ele, essa produção batida estaria sendo lançada e esquecida nas prateleiras da locadora.

O jovem astro realmente atua nesse filme – ao contrário da saga “Crepúsculo” - e até manda bem no papel de um adolescente atormentado que perdeu o irmão e passou a culpar o pai pelo ocorrido. Através de uma aposta, ele conhece uma garota igualmente revoltada que também sofreu uma perda familiar: a mãe foi assassinada na sua frente quando era menor.

O drama romântico investe na química do casal, que ao menos funciona, mas deixa de lado o aperfeiçoamento do roteiro. A relação entre os personagens é tão enrolada que pouco se desenvolve. Alguns diálogos são vergonhosos, como aquele presenciado no primeiro jantar da dupla. O clímax do filme é de uma obviedade incrível, podendo ser previsto no momento que se descobre que a garota é filha do policial – não teve spoiler. Fora o encerramento, que os roteiristas introduzem um fato histórico perdido e sem contexto algum apostando que os espectadores iriam achar original. Bem longe disso.

“Lembranças” acaba se importando mais com as fãs do galã vampiro, ao tentar provocar as lágrimas das “crepusculetes” com um final supostamente surpreendente e termina perdendo o foco. Com a direção voltada para questões menos relevantes, a trama não chega a ganhar a profundidade pretendida, e deixa o resultado não mais que insosso.

Nota: 4

A Estrada


“Está tudo bem. É apenas mais um terremoto”. Assim, com a face calma e serena, que o personagem de Viggo Mortensen acalma o seu filho nas primeiras cenas de “A Estrada”. Em um mundo devastado pela tragédia, onde a comida é escassa, a gasolina um bem precioso e o canibalismo algo normal, os terremotos representam ameaças mínimas. Afinal, nessa situação, a morte não é o pior dos males.

Acompanhamos a narrativa através do olhar desse pai, que luta para proteger o filho e sobreviver em uma terra sem humanidade. “A Estrada” não explica o real motivo do cenário de destruição – até porque este não é seu propósito. A realidade vista na tela mostra um ser humano primitivo, que sem as normas da sociedade se vê matando por comida e estuprando para satisfazer necessidades. A forma crua como encara os temas lembra “Ensaio Sobre a Cegueira”, que, por sinal, apresenta muitas outras semelhanças.

A visão apocalíptica proposta por Cormac McCarthy, autor do livro do qual o filme se baseou, é de total desolação. Os dias são cada vez mais frios, os incêndios se alastram com rapidez e as árvores enfraquecidas se desprendem e vão ao chão. A luta pela sobrevivência levou a formação de gangues armadas, que invadem as casas em busca de comida, matando as famílias que esperam pelo pior. Os suicídios em massa já se tornaram comuns.

O tema pesado é intensificado pela abordagem tensa do diretor John Hillcoat, que mostra-se bem sucedido em trabalhar com uma trilha sonora angustiante e sem apelar para cenas de ação. Como de costume, Viggo Mortensen entrega uma performance firme e competente. Mesmo aparecendo em pequenos (e elucidativos) flashbacks como a esposa e mãe nos primeiros momentos pós-catástrofe, Charlize Theron contribui para sensibilizar de maneira pontual na história.

Em uma realidade como essa, com o mundo definhando e sem qualquer perspectiva de um futuro decente, a razão de existência daquele pai se torna treinar o filho para que este possa sobreviver sozinho. A luta dos refugiados é corajosa e triste. Uma proposta de ‘apocalipse’ como essa não pode ser comparada aos espetáculos vistos em produções como “2012”. O que “A Estrada” oferece é muito mais crítico e relevante.

Nota: 8

Preciosa - Uma História de Esperança


Claireece “Precious” Jones é uma adolescente de 16 anos, negra, pobre, obesa, violentada pelo pai e maltratada pela mãe. Ela também tem um filho portador de síndrome de Down e foi suspensa da escola porque está novamente grávida de seu pai. Na primeira cena do filme, Preciosa aparece fora de foco, caminhando no meio de uma multidão. Apesar de ser um artifício comum no cinema, essa imagem desfocada descreve exatamente a personagem: uma garota como qualquer outra, diluída nesse mar de gente que luta diariamente por dignidade.

Mesmo com todos esses problemas, ela não deixa de ter sonhos típicos da adolescência: quer ser famosa, ter um namorado e ganhar bastante dinheiro. As fantasias de Preciosa são apresentadas em cenas quentes, coloridas e exageradas, que quebram o dramalhão que o filme poderia atingir. Esse intercâmbio de sonho e realidade rivaliza com a direção pesada de Lee Daniels, contribuindo para uma maior agilidade no andamento da história.

Gabourey Sidibe, cujo perfil é perfeito para interpretar a sofrida Preciosa, perde espaço quando entra em cena Mo´Nique como sua mãe. O desempenho poderoso da atriz é um dos trabalhos mais impressionantes de atuação dos últimos anos – não por menos, venceu os principais prêmios na categoria. A relação entre as duas se torna o grande conflito da produção, logo após a garota ser aceita em uma nova escola e receber a ajuda da professora e de uma funcionária do serviço social.

“Precisa” não é tão deprimente como sugere. O filme retrata a existência penosa de uma jovem, que aos poucos, vai conseguir lidar com as desventuras que aparecem em seu caminho. E, ao contrário do subtítulo nacional, “Preciosa” se descobre um filme sobre mudança e determinação.

Nota: 7,4

Os Melhores Filmes de 2009

Como já é tradição no CinemaX, chegou a vez de divulgar os melhores filmes do ano que passou. 2009 foi marcado por muitas promessas e poucos resultados satisfatórios. As produções investiram bastante em marketing, tentando promover o retorno das massas ao cinema, e esqueceram de valorizar o mais importante: um bom roteiro. Foram poucos os filmes que se destacaram durante o ano. Geralmente, a lista dos melhores engloba cerca de 40 longa-metragens, dos quais é feita uma triagem para selecionar os top top. Dessa vez foram menos de 20 na disputa. É, a situação não foi das melhores em 2009.

Veja abaixo os filmes que mereceram integrar o ranking:

500 DIAS COM ELA
O que poderia ser uma comédia romântica comum não atinge esse nível de obviedade porque subverte os clichês do gênero, aproximando-se dos dramas realistas de Woody Allen somados ao universo pop do autor inglês Nick Hornby.

ABRAÇOS PARTIDOS
Almodóvar estabelece uma embalagem refinada para o seu cinema, centrando a história naquele universo pessoal e único que é tão bem conhecido e admirado.

AMOR SEM ESCALAS
Jason Reitman explora o ser humano e suas relações sociais em um filme adulto com roteiro brilhante e atuações no ponto.

AVATAR
O mundo criado por James Cameron é um universo impressionante, que mescla elementos gráficos de cair o queixo com a densidade filosófica de crenças de um povo poderoso.

BASTARDOS INGLÓRIOS
Quentin Tarantino reinventa a história da Segunda Guerra com muita violência, humor negro e, obviamente, uma infinidade de cultura pop. O Coronel Landa nunca vai ser esquecido, assim como Brad Pitt e seu ‘buongiorno’.

DISTRITO 9

‘Distrito 9’ é uma ficção científica adulta, tremendamente atual e eletrizante. A angústia do protagonista após a contaminação ainda ecoa na mente do espectador por muito tempo.

JULIE & JULIA
A gastronomia continua dando bons frutos no cinema. A diretora Nora Ephron concilia duas linhas narrativas, passado e presente, dando consonância para as histórias das Julias - além da majestosa presença de Meryl Streep.

MARY AND MAX
Baseado em uma história real, ‘Mary and Max’ é sobre dois seres solitários, uma menina de oito anos e um homem de 44, que se correspondem à distância e se tornam amigos. A animação exalta a amizade e termina como uma linda história de vida.

NINE
Mesmo com um ritmo irregular, ‘Nine’ consegue ser sexy, contagiante, belo e emocionante. Um espetáculo do início ao fim. Basta deixar-se levar pelo ritmo da música.

O SOLISTA
O diretor Joe Wright já se tornou sinônimo de qualidade. Com ‘O Solista’, ele realiza um filme humano, que não insiste no modelo básico da história de superação. Ao todo, representa uma lição de aprendizado e amizade.

UP – ALTAS AVENTURAS
Mais um acerto da Pixar. ‘Up’ é uma aventura infantil que consegue ser divertida e tocante. Os dez minutos iniciais já valem todo o filme. Um primor de entretenimento para toda família.

WATCHMEN – O FILME
Adaptação considerada impossível, ‘Watchmen’ revelou-se um longa-metragem feito de um fã para outros fãs. O filme de super-heróis é mais profundo do que do que se espera, apresentando camadas interessantes que elevam o teor do projeto.

Menções honrosas: O Fantástico Sr. Raposo; Preciosa; Zumbilândia; Arraste-me Para o Inferno; Amantes; Duplicidade e Inimigos Públicos

Cadê os Morgans?


Esta é terceira parceria de Hugh Grant com diretor Marc Lawrence. Os dois já trabalharam juntos em “Amor à Segunda Vista” e “Letra e Música”. Nesse sentido, “Cadê os Morgans?”, assim como os demais filmes do cineasta, é uma comédia romântica previsível que vale apenas pelos atores coadjuvantes e pelo humor britânico do personagem de Hugh Grant.

No filme, Meryl e Paul Morgan são um casal bem-sucedido que está separado após a traição dele. Na busca de uma reconciliação, os dois marcam de se encontrar e, na saída do restaurante, acabam presenciando um assassinato. Com suas vidas em risco, são mandados para a cidade de Ray, no interior dos Estados Unidos.

A jogada aqui é assistir os novaiorquinos limitados à uma vida sem tecnologia e distante da cidade grande. Sem alternativas, a dupla é obrigada a conviver e redescobrir um sentimento que ainda existia em ambos. Sarah e Hugh não apresentam o carisma necessário para alavancar o filme. Ela aparece sem muita expressão com sua estética plastificada e ele apático e desmotivado com as situações que enfrenta.

Na falta de química dos protagonistas, quem se destaca são os coadjuvantes Sam Elliot e Mary Steenburgen, como o casal caipira que abriga as testemunhas em sua casa. Os veteranos aproveitam o tempo em cena e tornam seus personagens mais interessantes que os astros. Também ganham a simpatia, a dupla de assessores que cuidam das agendas lotadas dos Morgans.

Apesar dos clichês recorrentes do gênero, “Cadê os Morgans?” apresenta um humor irônico que salva a produção – graças ao personagem de Grant. Quanto ao resto, é mais do mesmo.

Nota: 5,5

Invictus


“Invictus” retrata um período decisivo na história da África do Sul. Em 1994, o recém presidente Nelson Mandela utilizou de um esporte tipicamente inglês, o rugby, para terminar com as diferenças raciais no país. Esse episódio verdadeiro e inspirador foi registrado com certa deficiência pelo competente diretor Clint Eastwood.

A produção apresenta um conjunto de cenas truncadas, orquestradas por um roteiro com pouca direção, que confere ênfase em certos momentos para questões políticas, depois passa para as partidas de rugby e termina com sentimentalismo duvidoso. A tentativa de abordar com profundidade várias esferas do fato proporciona quebras de ritmo constantes, sem conseguir fluir com êxito na história. Perdidas no roteiro também estão cenas que procuram gerar suspense, como aquela em que um furgão misterioso se aproxima de Mandela, ou então quando vários planos focam um avião prestes a colidir com o estádio.

No meio do furacão, Morgan Freeman desempenha uma boa interpretação como o ídolo do povo e tem no personagem a atuação pela qual sempre será lembrado. Em contraponto, Matt Damon não encontra chances de se destacar como o capitão do time de rugby. O único momento que conhecemos melhor a sua figura é quando ele se mostra inseguro perante o convite de conhecer o presidente.

“Invictus” sequer foi indicado aos principais prêmios (basicamente referentes a atuações) no Globo de Ouro e Oscar. Entre a nova e tão respeitada fase de produções dirigidas por Clint Eastwood, o filme mostra-se um projeto inferior do cineasta. Ironicamente o filme que poderia ser o mais fácil de realizar, conforme a fácil identificação do público com o episódio, acabou se revelando o mais falho de sua carreira. Apesar das ressalvas, o longa pode ser assistido com um olhar despreocupado e revelar-se um bom (e até emocionante) passatempo.

Nota: 7