Xingu


O diretor Cao Hamburger, de "Castelo Rá-Tim-Bum" e "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", realiza longos intervalos de um filme a outro, mas a espera de até sete anos entre cada lançamento é recompensadora: sempre entrega uma obra caprichada sobre o tema que decidiu apresentar ao público. Desta vez, com “Xingu”, ele entra de cabeça na luta dos irmãos Villas-Bôas e, além de contar um pedaço da história brasileira, também promove a discussão sobre o papel do índio no contexto atual.

O filme acompanha os paulistas Cláudio (João Miguel), Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo (Caio Blat), que inscrevem-se em um programa do governo Getúlio Vargas, a Expedição Roncador-Xingu, na década de 1940, para habitar terras consideradas desocupadas. Os três são levados para o norte do Mato Grosso com a missão de ser o intermédio entre os homens brancos dominantes e os índios que ali vivem.

A interação dos irmãos com os habitantes ocorre de forma natural. Mesmo sendo invasores, são recepcionados com cordialidade pelos índios e convivem em harmonia numa troca interessante de culturas. Os representantes do governo demonstram total descaso com essa população e aos poucos começam a pressionar uma colonização ou até extermínio.

Os Villas-Bôas então percebem que o melhor é deixar o índio isolado, sem contato com o branco, uma vez que toda vez que esse encontro não é benéfico aos locais. Após tentativas políticvas, os irmãos conseguem criar o Parque Indígena do Xingu, território do tamanho de um estado, com 2,8 milhões de hectares. Por este trabalho frente a maior reserva do mundo, os irmãos foram indicados ao prêmio Nobel da Paz.

Essa trajetória épica é contada por um diretor apaixonado pela transformação real promovida pelos Villas-Bôas, que assim como os índios viveram em isolamento. A qualidade técnica de "Xingu" é impressionante. Uma deslumbrante fotografia desvenda as paisagens naturais do Brasil central. O aúdio e efeitos sonoros são impecáveis. Boas atuações também complementam o projeto, com destaque para João Miguel ("Estômago"), que mais uma vez cria um personagem autêntico e verdadeiro.

A produção nacional veio na hora certa, justamente no ano em que o Parque Indígena do Xingu comemora o seu 50° aniversário. Assim, sugere o debate sobre o lugar do índio hoje, vivendo em uma comunidade que não evoluiu, preso ao passado e esmagado por uma sociedade tida como mais desenvolvida. Ao mesmo tempo, esse habitante dos primórdios ainda cultiva valores nobres como o senso de coletividade e a harmonia com a natureza, mostrando que temos muito o que aprender com eles.

Além de promover essa relevante discussão, “Xingu” tem uma tarefa de igual importância: apresentar e registrar uma realização recente pouco conhecida da nossa história. Os Villas-Bôas foram responsáveis por preservar a cultura indígena, evitando a devastação de aldeias pela construção da Transamazônica e a exploração por seringueiros e proprietários rurais. A área conquistada pelos irmãos em favor dos índios resultou no primeiro parque do país, em 1961. Cao Hamburger, em seu terceiro longa-metragem, comprova que a saga do Xingu é digna de filme – e também de inspiração.

Nota: 7,9

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